segunda-feira, 30 de abril de 2012

Cultivar leitores

Ponto de vista - 30 abr. 2012

Destacamos o artigo intitulado "Semear livros", da autoria de Ana de Hollanda e de Galeno Amorim, publicado hoje na página 7 d'O GLOBO de ontem. Vemos com esperança as ações anunciadas pelo governo federal no campo da promoção da leitura. Torcemos, no entanto, para que não sejam postergadas por sucessivos entraves burocráticos; como tem sido constante em tudo que diz respeito à cultura. Os grifos são nossos:


"Monteiro Lobato, que no último dia 18 de abril completaria 130 anos, continua tão vivo na memória do povo brasileiro que acaba de ser confirmado como o escritor mais admirado do Brasil. Tal fenômeno, num lugar onde o índice de leitura ainda está aquém do satisfatório, deve-se à marcante presença de sua obra para sucessivas gerações. Foi ele quem inventou a literatura infantil e o próprio negócio do livro no Brasil, além de apregoar que precisávamos ler mais para termos um país melhor.

Além dessa admiração dos brasileiros de todas as idades por Lobato, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, traz outras revelações. A boa notícia é que mostra a consolidação do fato de a média nacional de leitura ter dobrado na última década (de apenas 1,8 livro por habitante/ano em 2001 para os atuais quatro livros).

A má notícia vem justamente dessa consolidação - entre 2007 e 2011 os índices de leitura se mantiveram no mesmo patamar, e até caíram um pouco, quando o que se precisava era justamente o contrário: uma ascensão contínua. Ou seja, o Brasil continua a ler pouco, e ainda temos cem milhões de brasileiros que não leem um livro sequer.

Para cativar leitores e, sobretudo, os não leitores, é necessário um conjunto de ações, que se por um lado deve atuar no sentido de melhorar - e, em muitos casos, dar alguma habilidade leitora a uma parte substancial da população que está distante dos livros, de outro é imprescindível que se dê acesso àqueles leitores ávidos por tê-los à mão.

É aí que entra o papel da biblioteca pública! Mas como cumpri-lo se só um entre cada dez brasileiros vai com frequência a uma delas e nada menos do que metade da população jura que nada será capaz de fazer com que entre em uma delas? Dentre as queixas mais comuns ouvidas pelos entrevistadores do Ibope estão a falta de livros novos, ou em boas condições, e deficiências nos acervos.

Esses fatores, além da difícil acessibilidade, são responsáveis por afastar as pessoas das bibliotecas. Apesar de a maioria dos entrevistados saber da existência de bibliotecas em suas cidades ou bairros, mesmo assim três em cada quatro deles não as frequentam (!), um índice exageradamente alto. Por outro lado, sabe-se que não há país desenvolvido no mundo que tenha alcançado essa posição sem, antes, ter solucionado a questão do acesso à educação de qualidade, à cultura e, particularmente, à leitura.

O tema biblioteca está no topo dos investimentos em políticas públicas do livro e leitura que o Ministério da Cultura e a Fundação Biblioteca Nacional anunciaram em abril. Mas não basta construir e implantar mais bibliotecas ou recompor os desatualizados acervos desses equipamentos culturais (embora 20% dos leitores digam que o simples fato de haver livros novos os estimularia a ir até uma biblioteca). Por isso, além de criar, de forma inédita, um programa que já começa ampliando e atualizando o acervo de 2.700 bibliotecas municipais e comunitárias, com obras escolhidas por elas próprias, serão anunciados novos programas para investir na formação dos bibliotecários.

E, ao mesmo tempo, milhares de jovens e professores e bibliotecários aposentados serão contratados este ano para atuar nas comunidades, inclusive rurais, como agentes de leitura, que vão de casa em casa levar os livros e, com eles, um novo horizonte em suas vidas.

Quem sabe, assim, nos anos vindouros só boas notícias possam ser dadas ao se anunciar os novos Retratos da Leitura no Brasil. Afinal, somente a leitura formará cidadãos com consciência crítica, e só a leitura, a literatura e o livro, uma nova legião de Lobatos, agora e no futuro.
"


ANA DE HOLLANDA é ministra da Cultura. GALENO AMORIM é presidente da Fundação Biblioteca Nacional.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Livros e Rock

Ponto de vista - 26 abr. 2012


Na coluna do Ancelmo Góis, página 20 d'O GLOBO de hoje, saiu a nota “Livro in Rio” (o grifo é nosso): 

"Ziraldo reclama de Eduardo Paes por não ter autorizado o uso de galhardetes para divulgar o 13º Salão Brasileiro de Literatura Infanto-Juvenil:

— Com os milhares de galhardetes que o Rock in Rio espalhou, parece que rock é mais importante do que livro..."

Lamentável, senhor prefeito.

* * * * *

Atualização em 27 abr. 2012:

Da mesma coluna do Ancelmo Góis, hoje, na página 18 d'O GLOBO, a nota "Os procalhões":



"Paes diz ter recebido, terça, e autorizado no mesmo dia, um pedido de Ziraldo para liberar galhardetes nos postes para indicar o Salão de Literatura infantil: 
 
— Acho que emporcalham o Rio. Só os libero em situações especiais como essa".

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Recordações do escrivão Isaías Caminha - resenha

Recordações do escrivão Isaías Caminha
Lima Barreto
Martin Claret
208 páginas. R$ 17,50.
www.martinclaret.com.br


“Gente miserável que dá sanção aos deputados, que os respeita e prestigia! Por que não lhes examinam as ações, o que fazem e para que servem? Se o fizessem... Ah! se o fizessem! Que surpresa! Riem-se, enquanto do suor, da resignação de vocês, das privações de todos tiram ócios de nababo e uma vida de sultão...” (p. 58)

Recordações do Escrivão Isaías Caminha, publicada pela primeira vez em 1909, foi a primeira obra do consagrado escritor Afonso Henrique de Lima Barreto; autor de outras obras de ficção, sendo O Triste Fim de Policarpo Quaresma a mais famosa, e também primorosos contos a exemplo de O Homem que Falava Javanês.

A obra de Lima Barreto - que a editora Martin Claret ora publica sob o novo acordo ortográfico da língua portuguesa - é marcada pelo retrato caricatural de sua época e por sua tendência para a polêmica, como pudemos ler acima numa crítica aberta aos políticos de então. Ele mesmo (o autor) um mulato e pobre, resolveu dar vida a Isaías Caminha, um personagem de classe humilde que se embrenha nos corredores da alta sociedade de seu tempo, criticando-lhe a falta de ética e abusos de poder.
“A Imprensa! Que quadrilha! Fiquem vocês sabendo que, se o Barba-Roxa ressuscitasse [...] só poderia dar plena expansão à sua atividade se se fizesse jornalista. Nada há tão parecido como o pirata antigo e o jornalista moderno: a mesma fraqueza de meios, servida por uma coragem de salteador; conhecimentos elementares do instrumento de que lançam mão e um olhar seguro, uma adivinhação, um faro para achar a presa e uma insensibilidade, uma ausência de senso moral a toda prova... E assim dominam tudo, aterram, fazem que todas as manifestações de nossa vida coletiva dependam do assentimento e da sua aprovação. Todos nós temos que nos submeter a eles, adulá-los, chamá-los gênios, embora intimamente os sintamos parvos, imorais e bestas... [...] E como eles aproveitam esse poder que lhes dá a fatal estupidez das multidões! Fazem de imbecis gênios, de gênios imbecis; trabalham para a seleção de mediocridades” (p. 92)

O romance trata-se de uma crítica ao Correio da Manhã, o jornal de maior sucesso e influência naquela primeira década do século XX, na então capital da nascente República; o que contribuiu para que o gênio do autor não recebesse o reconhecimento ainda em vida, pois tendo ele criticado as chamadas "panelinhas" das redações, recebeu o boicote do poderoso jornal que lhe fechou as portas para a divulgação de sua obra; ação esta que foi seguida pelo corporativismo dos outros órgãos da imprensa.

A obra inaugural de Lima Barreto é ainda hoje muito atual, pois podemos intuir que o mesmo continua acontecendo na redação dos jornalões de hoje em dia e, temos certeza, no jogo de interesses do meio político. Como ele mesmo escreveu nove anos depois numa crônica:

"A República do Brasil é o regime da corrupção. Todas as opiniões devem, por esta ou aquela paga, ser estabelecidas pelos poderosos do dia” (LIMA BARRETO, 1918).
Nesse sentido, em Lima Barreto podemos enxergar muito sobre o Brasil de hoje; esse mesmo Brasil sobre o qual nos pesa o desafio e a responsabilidade de torná-lo mais ético.