quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Figadal literatura

Ponto de vista - 30 nov. 2011

Hoje na coluna de Francisco Bosco, em artigo intitulado "Minhas doenças", na página 2 do Segundo Caderno d'O GLOBO, um exemplo muito forte de identificação com os livros e com a literatura. Confira o trecho (os grifos são nossos):


"[...] Já adoeci também lendo livros; livros longos, exigentes, de alta concentração de Vida. Adoeci com certa gravidade enquanto lia as 1.600 gloriosas páginas de “Guerra e paz” [do escritor russo Leon Tolstói]. Diversas vezes sonhava com a história do livro: tão forte é ele que sua realidade prevalecia sobre os vestígios de meu dia. Um livro mais real que a realidade: não é outra a exigência da literatura. Antonia, com quem sou casado, atribuía minha doença ao livro, e pedia que eu o abandonasse. [...]"

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Dia desses eu lia no Skoob (a rede social de livros) a sinopse e resenhas sobre o livro "Crime e Castigo", de Fiódor Dostoiévski (Editora Martin Claret) - outro clássico escritor russo. Praticamente todos, mesmo os que não tinham gostado, destacavam a profundidade do livro. E você leitor: Já teve uma relação tão íntima com alguma obra? Ficou pensando na história durante o dia? Chegou ao ponto de passar mal ou sonhar com personagens nos dias de leitura?

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A Ética e os clássicos

Ponto de vista - 28 nov. 2011

Destaco o artigo do escritor Frei Betto, autor de "Batismo de Sangue", intitulado "Águas da ética", que foi publicado Domingo (27/11) na página 7 d'O GLOBO. Um excelente artigo sobre a Ética, tão necessária nos dias de hoje, trilhando o caminho de vários pensadores; autores de vários clássicos da literatura universal. Os links e os grifos são nossos:


"Sócrates foi condenado à morte por heresia, como Jesus. Acusaram-no de pregar novos deuses. Tal iluminação não lhe abriu os olhos diante do céu, e sim da Terra. Percebeu não poder deduzir do Olimpo uma ética. Os deuses do Olimpo podiam explicar a origem das coisas, não ditar normas de conduta.

A promiscuidade no Olimpo não convinha traduzir-se em atitudes; assim, a razão conquistou autonomia frente à religião. Em busca de valores capazes de normatizar a convivência humana, Sócrates apontou a nossa caixa de Pandora: a razão.

Se a moral não decorre dos deuses, devemos erigi-la. Em Antígona, peça de Sófocles, em nome de razões de Estado Creonte proibiu Antígona de sepultar seu irmão Polinice. Ela se recusou a obedecer a “leis não escritas imutáveis, que não datam de hoje nem de ontem, que ninguém sabe quando apareceram”. Eis a afirmação da consciência sobre a lei, da cidadania sobre o Estado.

Platão ensinou a discernir realidade e ilusão. Em República, lembrou que, para Trasímaco, a ética de uma sociedade reflete os interesses de quem ali detém o poder. Poder é o direito concedido a um indivíduo ou conquistado por um partido ou classe social de impor a sua vontade aos demais.

Aristóteles nos arrancou do solipsismo ao associar felicidade e política. Mais tarde, Santo Tomás de Aquino, inspirado nele, formulou uma ética política ao priorizar o bem comum e valorizar a soberania popular e a consciência individual como reduto indevassável.

Maquiavel, na contramão, destituiu a política de ética e a reduziu ao jogo de poder.

Para Kant, a grandeza do ser humano reside na ética, na capacidade de se autodeterminar a partir da própria liberdade. Há em nós um senso inato do dever. Não deveríamos deixar de fazer algo por ser pecado, e sim por ser injusto. A ética individual deve se complementar pela ética social, já que não somos um rebanho de indivíduos, mas uma sociedade que exige, à boa convivência, normas e leis e, sobretudo, cooperação de uns com os outros.

Hegel e Marx acentuaram que a liberdade é sempre relacional, consiste na construção de comunhões com a natureza e os nossos semelhantes. Porém, a injustiça torna alguns dessemelhantes.

Nas águas da ética judaico-cristã, Marx ressaltou a irredutível dignidade de cada ser humano e, portanto, o direito à igualdade de oportunidades. Em outras palavras, somos tanto mais livres quanto mais construímos instituições que promovam a felicidade de todos.

A filosofia moderna abriu novo campo de tensão ao frisar que, respeitada a lei, cada um é dono de seu nariz. A privacidade como reino da liberdade total. Deslocou a ética da responsabilidade social (cada um deve preocupar-se com todos) para os direitos individuais (cada um que cuide de si).

Tal distinção ameaça a ética de ceder ao subjetivismo egocêntrico. Tenho direitos, prescritos numa Declaração Universal, mas e os deveres? Que obrigações tenho para com a sociedade em que vivo? O que tenho a ver com o faminto, o excluído e o meio ambiente?

Daí a importância do conceito de cidadania. Os indivíduos são diferentes e, numa sociedade desigual, tratados segundo sua importância na escala social. Já o cidadão, pobre ou rico, é dotado de direitos invioláveis, e está sujeito à lei como todos os demais.

Agora, a humanidade desperta para os efeitos nefastos de seu modo de subjugar a natureza.

A recente consciência ecológica amplia a noção de ethos. A casa é todo o Universo. Não se fala de Pluriverso, mas de Universo. Há uma íntima relação entre todos os seres visíveis e invisíveis, do macro ao micro, das partículas elementares aos vulcões.

Segundo Teilhard de Chardin, o princípio da ética é o respeito a todo o criado para que desperte suas potencialidades. Assim, faz sentido falar da dimensão holística da ética.

O ponto de partida da ética foi assinalado por Sócrates: a polis, a cidade. A vida é processo pessoal e social. A ótica neoliberal erra ao dizer que cada um se contente com o seu mundinho.

Mas fica a pergunta de Walter Benjamin: o que dizer a milhões de vítimas de nosso egoísmo?"


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O blog incluiu links que não constavam do original. São livros do catálogo da Martin Claret, editora que se destaca no mercado por priorizar os clássicos da literatura universal, publicando-os em formato de bolso e num preço bastante acessível; o que é uma louvável ação de promoção da leitura.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ministro fanfarrão

Ponto de vista - 23 nov. 2011

Destaco o artigo do antropólogo Roberto DaMatta, autor de "Carnavais, malandors e heróis", intitulado "Mentira & politicagem", que foi publicado hoje n'O GLOBO e também no Estadão. Ele expressa muito bem a nossa estupefação com caso recente do Ministro do Trabalho, que mentiu no Congresso e uma desmascarado, o que aconteceu?... Nada. Continua ministro. O grifo é nosso:

"Seria mentira uma realidade da política brasileira? Sobretudo neste momento em que o governo de dona Dilma constitui uma Comissão da Verdade, mas um dos seus ministros - justamente o do Trabalho que é o apanágio do seu partido (o dos trabalhadores) - mente de modo claro, aberto, insofismável e - mais que isso - com uma verve e um nervo dignos de um astro de novela das 8?

Fiquei deveras assombrado por sua ousadia e desenvoltura de ator, quando - perante o Congresso - ele diz não conhecer o empresário com quem jantou, andou de avião e contemplou - com um olhar digno de um Anthony Hopkins - um pedaço de papel com o nome da questionada figura, numa simulação dramática que era a maior prova de que mentia descaradamente.

Ou seja, para o governo é mais fácil resgatar o passado fabricado pelo autoritarismo do regime militar - um momento no qual opiniões conflitantes eram proibidas e que engendrou oposições à sua altura e igualmente fechadas; passando por alto pela Lei da Anistia - do que demitir um ministro mentiroso. Continuamos a refazer o que não deveria ter sido feito, e a não fazer o que o bom senso exige que se faça.

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Viver em sociedade demanda mentir. Como exige comer, confiar e beber - mas dentro de certos limites. Os americanos distinguem as "white lies" (mentiras brancas ou brandas) - falsidades sem maiores consequências - das mentiras sujeitas a sanções penais e éticas.

Pois como todo mundo sabe, a América não mente. Ela está convencida - apesar de todas as bolhas e Bushes - de que até hoje segue o exemplo de George Washington, seu primeiro presidente; um menino obviamente neurótico que nunca mentiu. Na América há todo um sistema jurídico que dá prêmios à verdade muito embora, num lugar chamado Estados Unidos, minta-se à americana. Ou seja, com a certeza de que se diz a verdade, somente a verdade, nada mais do que a verdade. E que Deus me ajude! Foi o que fez, entre outros, Bill Clinton, quando negou ter tido sexo com a dragonarde Monica Lewinsky, porque o que eles fizeram no Salão Oval não estava na Bíblia.

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No Brasil não acreditamos ser possível existir sem mentir. Basta pensar no modo como fomos criados para entendermos a mentira como "boa educação" ou gentileza, pois como cumprir a norma de não discutir com os mais velhos sem enganar? Como não mentir quando a mulher amada chega do salão de beleza com o cabelo pintado de burro quando foge e pergunta: querido, o que é que você acha do meu novo penteado? Ou quando você confessa ao padre aquele pecado que você comete diariamente e dele se arrepende também cotidianamente, só para a ele voltar com uma volúpia apenas compreendida pelo velho e bom catolicismo romano? Como não mentir diante do seu professor, um Burro Doutor, que diz que sabe tudo, mas não conhece coisa nenhuma? Ou do amigo que escreve um livro de merda, mas acha que obrou coisa jamais lida? Ou para o netinho que questiona, intuindo Descartes: se existe presente, onde está Papai Noel?

Como não mentir se o governo mente todo o tempo, seja não realizando o que prometeu nas eleições, seja "blindando" os malfeitos inocentes dos seus aliados, seja dizendo que nada sabe ou tem a ver com o que ocorre debaixo dos seu nariz de Pinóquio?

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Numa sociedade que teve escravos, entende-se a malandragem de um Pedro Malasartes como um modo legítimo de burlar senhores cruéis. Mas não se pode viver democraticamente aceitando, como tem ocorrido no lulo-petismo, pessoas com o direito de mentir e roubar publicamente. Mentir para vender um tolete de merda como um passarinho raro ao coronelão que se pensa dono do mundo é coisa de "vingança social" à Pedro Malasartes.

No velho marxismo no qual eu fui formado, tratava-se de uma forma de "resistência" ao poder. Mas será que podemos chamar de "malfeitos" o terrorismo e o tráfico? Seria razoável aceitar a mentira como rotina da vida política nacional porque, afinal de contas, o "Estado (e a tal governabilidade com suas alianças) tem razões que a sociedade não conhece" ou, pior que isso, que o nosso partido tem planos que tanto o Estado quanto a sociedade podem ser dispensados de conhecer?

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No Brasil das éticas múltiplas (uma mentira e uma verdade para cada pessoa, situação, tempo e lugar), temos a cultura do segredo competindo ferozmente com a das inúmeras versões que, normalmente, só quem sabe a mais "verdadeira" é quem conhece alguém mais próximo do poder. Entre nós, a verdade tem gradações e lembranças. No antigo Brasil do "você sabe com quem está falando?", dizia-se: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei! Hoje, nos vem à mente uma velha trova mineira: "Tu fingiste que me enganaste, eu fingi que te acreditei; foste tu que me enganaste ou fui eu quem te enganei?"

Com a palavra, os eleitos e os nomeados.
"