Ponto de vista - 28 nov. 2011
Destaco o artigo do escritor Frei Betto, autor de "Batismo de Sangue", intitulado "Águas da ética", que foi publicado Domingo (27/11) na página 7 d'O GLOBO. Um excelente artigo sobre a Ética, tão necessária nos dias de hoje, trilhando o caminho de vários pensadores; autores de vários clássicos da literatura universal. Os links e os grifos são nossos:
"Sócrates foi condenado à morte por heresia, como Jesus. Acusaram-no de pregar novos deuses. Tal iluminação não lhe abriu os olhos diante do céu, e sim da Terra. Percebeu não poder deduzir do Olimpo uma ética. Os deuses do Olimpo podiam explicar a origem das coisas, não ditar normas de conduta.
A promiscuidade no Olimpo não convinha traduzir-se em atitudes; assim, a razão conquistou autonomia frente à religião. Em busca de valores capazes de normatizar a convivência humana, Sócrates apontou a nossa caixa de Pandora: a razão.
Se a moral não decorre dos deuses, devemos erigi-la. Em Antígona, peça de Sófocles, em nome de razões de Estado Creonte proibiu Antígona de sepultar seu irmão Polinice. Ela se recusou a obedecer a “leis não escritas imutáveis, que não datam de hoje nem de ontem, que ninguém sabe quando apareceram”. Eis a afirmação da consciência sobre a lei, da cidadania sobre o Estado.
Platão ensinou a discernir realidade e ilusão. Em República, lembrou que, para Trasímaco, a ética de uma sociedade reflete os interesses de quem ali detém o poder. Poder é o direito concedido a um indivíduo ou conquistado por um partido ou classe social de impor a sua vontade aos demais.
Aristóteles nos arrancou do solipsismo ao associar felicidade e política. Mais tarde, Santo Tomás de Aquino, inspirado nele, formulou uma ética política ao priorizar o bem comum e valorizar a soberania popular e a consciência individual como reduto indevassável.
Maquiavel, na contramão, destituiu a política de ética e a reduziu ao jogo de poder.
Para Kant, a grandeza do ser humano reside na ética, na capacidade de se autodeterminar a partir da própria liberdade. Há em nós um senso inato do dever. Não deveríamos deixar de fazer algo por ser pecado, e sim por ser injusto. A ética individual deve se complementar pela ética social, já que não somos um rebanho de indivíduos, mas uma sociedade que exige, à boa convivência, normas e leis e, sobretudo, cooperação de uns com os outros.
Hegel e Marx acentuaram que a liberdade é sempre relacional, consiste na construção de comunhões com a natureza e os nossos semelhantes. Porém, a injustiça torna alguns dessemelhantes.
Nas águas da ética judaico-cristã, Marx ressaltou a irredutível dignidade de cada ser humano e, portanto, o direito à igualdade de oportunidades. Em outras palavras, somos tanto mais livres quanto mais construímos instituições que promovam a felicidade de todos.
A filosofia moderna abriu novo campo de tensão ao frisar que, respeitada a lei, cada um é dono de seu nariz. A privacidade como reino da liberdade total. Deslocou a ética da responsabilidade social (cada um deve preocupar-se com todos) para os direitos individuais (cada um que cuide de si).
Tal distinção ameaça a ética de ceder ao subjetivismo egocêntrico. Tenho direitos, prescritos numa Declaração Universal, mas e os deveres? Que obrigações tenho para com a sociedade em que vivo? O que tenho a ver com o faminto, o excluído e o meio ambiente?
Daí a importância do conceito de cidadania. Os indivíduos são diferentes e, numa sociedade desigual, tratados segundo sua importância na escala social. Já o cidadão, pobre ou rico, é dotado de direitos invioláveis, e está sujeito à lei como todos os demais.
Agora, a humanidade desperta para os efeitos nefastos de seu modo de subjugar a natureza.
A recente consciência ecológica amplia a noção de ethos. A casa é todo o Universo. Não se fala de Pluriverso, mas de Universo. Há uma íntima relação entre todos os seres visíveis e invisíveis, do macro ao micro, das partículas elementares aos vulcões.
Segundo Teilhard de Chardin, o princípio da ética é o respeito a todo o criado para que desperte suas potencialidades. Assim, faz sentido falar da dimensão holística da ética.
O ponto de partida da ética foi assinalado por Sócrates: a polis, a cidade. A vida é processo pessoal e social. A ótica neoliberal erra ao dizer que cada um se contente com o seu mundinho.
Mas fica a pergunta de Walter Benjamin: o que dizer a milhões de vítimas de nosso egoísmo?"
* * * * *
A promiscuidade no Olimpo não convinha traduzir-se em atitudes; assim, a razão conquistou autonomia frente à religião. Em busca de valores capazes de normatizar a convivência humana, Sócrates apontou a nossa caixa de Pandora: a razão.
Se a moral não decorre dos deuses, devemos erigi-la. Em Antígona, peça de Sófocles, em nome de razões de Estado Creonte proibiu Antígona de sepultar seu irmão Polinice. Ela se recusou a obedecer a “leis não escritas imutáveis, que não datam de hoje nem de ontem, que ninguém sabe quando apareceram”. Eis a afirmação da consciência sobre a lei, da cidadania sobre o Estado.
Platão ensinou a discernir realidade e ilusão. Em República, lembrou que, para Trasímaco, a ética de uma sociedade reflete os interesses de quem ali detém o poder. Poder é o direito concedido a um indivíduo ou conquistado por um partido ou classe social de impor a sua vontade aos demais.
Aristóteles nos arrancou do solipsismo ao associar felicidade e política. Mais tarde, Santo Tomás de Aquino, inspirado nele, formulou uma ética política ao priorizar o bem comum e valorizar a soberania popular e a consciência individual como reduto indevassável.
Maquiavel, na contramão, destituiu a política de ética e a reduziu ao jogo de poder.
Para Kant, a grandeza do ser humano reside na ética, na capacidade de se autodeterminar a partir da própria liberdade. Há em nós um senso inato do dever. Não deveríamos deixar de fazer algo por ser pecado, e sim por ser injusto. A ética individual deve se complementar pela ética social, já que não somos um rebanho de indivíduos, mas uma sociedade que exige, à boa convivência, normas e leis e, sobretudo, cooperação de uns com os outros.
Hegel e Marx acentuaram que a liberdade é sempre relacional, consiste na construção de comunhões com a natureza e os nossos semelhantes. Porém, a injustiça torna alguns dessemelhantes.
Nas águas da ética judaico-cristã, Marx ressaltou a irredutível dignidade de cada ser humano e, portanto, o direito à igualdade de oportunidades. Em outras palavras, somos tanto mais livres quanto mais construímos instituições que promovam a felicidade de todos.
A filosofia moderna abriu novo campo de tensão ao frisar que, respeitada a lei, cada um é dono de seu nariz. A privacidade como reino da liberdade total. Deslocou a ética da responsabilidade social (cada um deve preocupar-se com todos) para os direitos individuais (cada um que cuide de si).
Tal distinção ameaça a ética de ceder ao subjetivismo egocêntrico. Tenho direitos, prescritos numa Declaração Universal, mas e os deveres? Que obrigações tenho para com a sociedade em que vivo? O que tenho a ver com o faminto, o excluído e o meio ambiente?
Daí a importância do conceito de cidadania. Os indivíduos são diferentes e, numa sociedade desigual, tratados segundo sua importância na escala social. Já o cidadão, pobre ou rico, é dotado de direitos invioláveis, e está sujeito à lei como todos os demais.
Agora, a humanidade desperta para os efeitos nefastos de seu modo de subjugar a natureza.
A recente consciência ecológica amplia a noção de ethos. A casa é todo o Universo. Não se fala de Pluriverso, mas de Universo. Há uma íntima relação entre todos os seres visíveis e invisíveis, do macro ao micro, das partículas elementares aos vulcões.
Segundo Teilhard de Chardin, o princípio da ética é o respeito a todo o criado para que desperte suas potencialidades. Assim, faz sentido falar da dimensão holística da ética.
O ponto de partida da ética foi assinalado por Sócrates: a polis, a cidade. A vida é processo pessoal e social. A ótica neoliberal erra ao dizer que cada um se contente com o seu mundinho.
Mas fica a pergunta de Walter Benjamin: o que dizer a milhões de vítimas de nosso egoísmo?"
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O blog incluiu links que não constavam do original. São livros do catálogo da Martin Claret, editora que se destaca no mercado por priorizar os clássicos da literatura universal, publicando-os em formato de bolso e num preço bastante acessível; o que é uma louvável ação de promoção da leitura.
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