sexta-feira, 13 de abril de 2012

Recordações do escrivão Isaías Caminha - resenha

Recordações do escrivão Isaías Caminha
Lima Barreto
Martin Claret
208 páginas. R$ 17,50.
www.martinclaret.com.br


“Gente miserável que dá sanção aos deputados, que os respeita e prestigia! Por que não lhes examinam as ações, o que fazem e para que servem? Se o fizessem... Ah! se o fizessem! Que surpresa! Riem-se, enquanto do suor, da resignação de vocês, das privações de todos tiram ócios de nababo e uma vida de sultão...” (p. 58)

Recordações do Escrivão Isaías Caminha, publicada pela primeira vez em 1909, foi a primeira obra do consagrado escritor Afonso Henrique de Lima Barreto; autor de outras obras de ficção, sendo O Triste Fim de Policarpo Quaresma a mais famosa, e também primorosos contos a exemplo de O Homem que Falava Javanês.

A obra de Lima Barreto - que a editora Martin Claret ora publica sob o novo acordo ortográfico da língua portuguesa - é marcada pelo retrato caricatural de sua época e por sua tendência para a polêmica, como pudemos ler acima numa crítica aberta aos políticos de então. Ele mesmo (o autor) um mulato e pobre, resolveu dar vida a Isaías Caminha, um personagem de classe humilde que se embrenha nos corredores da alta sociedade de seu tempo, criticando-lhe a falta de ética e abusos de poder.
“A Imprensa! Que quadrilha! Fiquem vocês sabendo que, se o Barba-Roxa ressuscitasse [...] só poderia dar plena expansão à sua atividade se se fizesse jornalista. Nada há tão parecido como o pirata antigo e o jornalista moderno: a mesma fraqueza de meios, servida por uma coragem de salteador; conhecimentos elementares do instrumento de que lançam mão e um olhar seguro, uma adivinhação, um faro para achar a presa e uma insensibilidade, uma ausência de senso moral a toda prova... E assim dominam tudo, aterram, fazem que todas as manifestações de nossa vida coletiva dependam do assentimento e da sua aprovação. Todos nós temos que nos submeter a eles, adulá-los, chamá-los gênios, embora intimamente os sintamos parvos, imorais e bestas... [...] E como eles aproveitam esse poder que lhes dá a fatal estupidez das multidões! Fazem de imbecis gênios, de gênios imbecis; trabalham para a seleção de mediocridades” (p. 92)

O romance trata-se de uma crítica ao Correio da Manhã, o jornal de maior sucesso e influência naquela primeira década do século XX, na então capital da nascente República; o que contribuiu para que o gênio do autor não recebesse o reconhecimento ainda em vida, pois tendo ele criticado as chamadas "panelinhas" das redações, recebeu o boicote do poderoso jornal que lhe fechou as portas para a divulgação de sua obra; ação esta que foi seguida pelo corporativismo dos outros órgãos da imprensa.

A obra inaugural de Lima Barreto é ainda hoje muito atual, pois podemos intuir que o mesmo continua acontecendo na redação dos jornalões de hoje em dia e, temos certeza, no jogo de interesses do meio político. Como ele mesmo escreveu nove anos depois numa crônica:

"A República do Brasil é o regime da corrupção. Todas as opiniões devem, por esta ou aquela paga, ser estabelecidas pelos poderosos do dia” (LIMA BARRETO, 1918).
Nesse sentido, em Lima Barreto podemos enxergar muito sobre o Brasil de hoje; esse mesmo Brasil sobre o qual nos pesa o desafio e a responsabilidade de torná-lo mais ético.


3 comentários:

Cris Aragão disse...

É interessante como um livro escrito tantos anos atrás continua atual. São práticas condenáveis mas que se perpetuam na sociedade e a gente quase acha normal, mas não é.

Unknown disse...

Oh Meu Deus, eu troquei os comentários... hahaha

Desculpas..
O comentário acima era para outra resenha que eu também estava instantaneamente comentando..

Bom, voltando aqui a tempo de corrigir.
Eu já li Recordações do escrivão Isaías Caminha e achei absurdamente chato no início. Lima Barreto usa uma linguagem muito rebuscada nas primeiras página, mas a trama da história vai nos prendendo a atenção.

Gostei dos seus comentários a respeito da obra.

Sucesso para o seu blog.

Abraço

papos literários
http://paposliterarios.blogspot.com.br/

Anônimo disse...

Lima Barreto precisa ser revisitado. É um dos poucos escritores brasileiros que continua atual depois de mais de um século. @biblionilopolis