sábado, 30 de julho de 2011

Carnaval na Quaresma?

Ponto de vista - 30 jul. 2011

Maldita corrupção

Em seu artigo intitulado "Casamento maldito", publicado hoje n'O GLOBO (p. 7), o senador Cristovam Buarque fala do casamento da impunidade jurídica e a falta de valores morais, que gera a corrupção; o que gera a desesperança dos jovens pela política. O grifo é nosso:

" (...) Coincidindo a impunidade jurídica e a falta de valores morais, a corrupção torna-se um filho natural da política e gera netos hediondos, tais como estradas paradas, porque a licitação foi burlada; alunos sem merenda, por causa do desvio de verbas; uma empresa escolhida no lugar de outra, porque pagou propina. Um triste produto desse casamento é a quebra da confiança nos políticos e a recusa dos jovens de ingressarem na política.

Ainda pior é quando os mais velhos olham com desconfiança para os jovens que desejam fazer política, como se eles quisessem obter vantagens, e não oferecer sacrifício ao país. A política fica sem dignidade, e os líderes que deveriam ser exemplos são vistos como aproveitadores. Quando as bandeiras tradicionais morrem antes de serem substituídas por novas e a impunidade coincide com um marco jurídico impotente para enfrentar e combater a corrupção, o país entra em crise de credibilidade.

É necessário romper esse casamento maldito, acabando com a impunidade e consolidando novas bandeiras. Mas vivemos em um tempo em que as bandeiras morrem antes que novas surjam. As ideias só se transformam em causas quando o povo as entende e aceita. Mas hoje a população está dividida entre uma parte pobre interessada apenas na solução dos problemas imediatos e uma parte rica desejosa de manter os benefícios aos quais está acostumada graças a um modelo de sociedade e economia que já não têm mais como manter tantos privilégios".

* * * * *

Carnaval na Quaresma?

Na mesma página 7 d'O GLOBO, foi publicado um artigo do pesquisador da história do Carnaval do Rio de Janeiro Hiram Araújo, intitulado "Carnaval com data fixa".

Ele começa:

"O Brasil é o único páis o carnaval é um rito nacional, sendo simultanemante comemorado em todas as cidades brasileiras".

Em seguida, ele dá exemplos de cidades onde a festa "acontece de acordo com os interesses cilmáticos, e econômicos e turísticos"; e defende que, como o carnaval é uma festã pagã, não deveria ser definida pelo calendário católico.

Ele termina o artigo da seguinte forma:

"Assim funcionou no princípio. No Brasil, no tempo da colonização, se confundia carnaval com a festa religiosa católica. Mas o carnaval evoluiu e no mundo tornou outro rumo inteiramente diverso da religião. Apenas no Brasil permaneceu a data ligada ao calendário religioso. É um equívoco: o carnaval hoje é uma festa ligada aos interesses econômicos e turísticos, entre nós. O carnaval quando cai no principio de fevereiro é um desastre econômico para cidade, pois encurtamos a permanência de foliões e visitantes na cidade, deixando de funcionar o comércio e a indústria hoteleira. Melhor seria ter o carnaval com data fixa, no primeiro domingo de março".

Se um dia decidirem, por lei, fazer como ele sugere, corre-se o risco do Carnaval fixo acontecer em plena Quaresma dos católicos - período dos quarenta dias que antecedem a Páscoa, marcados pela moderação e pelo recolhimento espiritual. E não há, em nome da modernidade, como apagar a tradição católica do país. Daria pano pra manga.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Livro de qualquer jeito

Ponto de vista - 29 jul. 2011

De pernas para o ar


O mundo ficou louco? Também me faço a mesma pergunta do jornalista Gail Scriver, que publicou o artigo intitulado "O ano em que ficamos vulneráveis", hoje, n'O GLOBO (p. 6):

"O mundo ficou louco? Os EUA, a maior potência, mantêm os mercados de todo o mundo com a respiração presa enquanto lutam contra o relógio para evitar o calote. Um cenário inimaginável.

O euro, até há alguns anos a grande promessa, enfrenta sua maior encruzilhada devido à crise da dívida soberana, uma doença cujo contágio se espalha implacavelmente de um país a
outro, apesar dos desesperados esforços (e bilhões de euros de resgate) da União Europeia.

A América Latina, que era uma virtual pária para os investidores, começa a ser considerada uma estrela, uma ilha de estabilidade e refúgio.

A Noruega, o país do Prêmio Nobel da Paz, o paraíso da tolerância e do respeito, acaba de ser sacudida por um sangrento atentado duplo que poderá mudar para sempre sua imagem. A vista das aprazíveis ruas do centro de Oslo convertidas num dantesco cenário mais digno do Iraque marcará o antes e o depois num país que parece ter perdido a inocência. O mesmo vale para uma Europa que, da noite para o dia, se descobriu vulnerável, não ao terrorismo islâmico, mas ao de extrema direita.

(...)

O mundo árabe, onde os ditadores passavam décadas e décadas confiantes que seguiriam firmes em seus tronos, se viu sacudido por um terremoto, mas de outras características: uma inesperada brisa democrática que se converteu num furacão terminou por varrer líderes autoritários desde a Tunísia ao Egito. A indignação popular e a fúria contra a velha guarda, encabeçadas por jovens e impulsionadas pelas redes sociais, se propagaram a países como Líbia, Iêmen, Síria e, inclusive, Arábia Saudita.

Mas a indignação dos jovens não se limitou ao mundo árabe. Também os líderes europeus, desde José Luis Zapatero até David Cameron, passando por Nicolas Sarkozy e Silvio Berlusconi, se converteram em alvo de fúria de uma nova e heterogênea massa de “indignados”, numa espécie de “que se vão todos!” similar ao que se viveu na Argentina há uma década, o que também parecia inimaginável nas estáveis democracias europeias. O som das caçarolas retumbando nas ruas de Madri, Atenas e Roma? Incrível. (...)"

* * * * *

Livro de qualquer jeito

Outro artigo de hoje que me chamou atenção, foi o do publicitário e escritor Adilson Xavier, intitulado "De que livro estamos falando?" (p. 25). Ele opina que não há porque ser pessimista com o advento do livro digital. É só uma nova forma de ler. O importante é disseminar o conhecimento:

"Um livro escrito à mão é um livro. Um livro impresso é um livro. Um livro digital é um livro. Não depende de capa, de hardware, sofisticação gráfica, nem tecnológica. Gertrude Stein diria que um livro é o que é: ideia manifestada por escrito ou imagens.

(...) Há tanto fascínio com a tecnologia que nos esquecemos de atentar para o seu verdadeiro papel, de facilitadora. (...)

São abundantes as manifestações pessimistas que enxergam apenas sinais de declínio do livro. Só vejo ascensão em tudo isso. Nunca se leu e se escreveu tanto como atualmente. Nunca a linguagem escrita foi tão relevante, usada até nos celulares. Estamos reforçando o hábito da leitura e a consequência é a redescoberta do prazer de ler. (...)"

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Agonia

Ponto de vista - 28 jul. 2011

Desserviço


Destaco a nota da seção "Seu Bairro" do Jornal de Hoje, publicado em Nova Iguaçu (RJ), intitulada "Transporte precário":


"Passageiros que utilizam os ônibus da empresa Transmil, que faz as linhas Nilópolis – Central, reclamam que os veículos estão velhos e mal conservados. Segundo denúncias, há até baratas nos carros. Eles pedem melhorias no serviço oferecido".

O serviço dessa empresa é pessimo. É só procurar em qualquer buscador "Transmil + Nilópolis" para comprovar.

* * * * *

Agonia

Na seção "Visão Geral", do mesmo jornal, destaque para a nota "Monumentos históricos estão agonizando":

"Muitos monumentos históricos da Baixada Fluminense estão “agonizando”. Construções centenárias que representam a cultura da região estão abandonadas e em péssimo estado de conservação. A Fazenda São Bernardino, localizada em Vila de Cava, em Nova Iguaçu, por exemplo, se encontra nessas condições. O prédio fica nos arredores da antiga Vila de Iguassu e lá podemos encontrar muros pichados, paredes que cederam e outras que ameaçam cair.

A menos de um quilometro dali, o antigo Porto de Iguassu, também está quase desaparecendo. O local, que faz parte da história parece não mais existir".

A Baixada Fluminense precisa de mais atenção até da imprensa. Essa nota é de um jornal nativo da região, mas e a grande imprensa? Jornais como O GLOBO e mesmo O DIA parecem ainda não terem acertado a forma de seus cadernos de bairro.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Criança feliz

Ponto de vista - 27 jul. 2011

Rejeitada iguaria


Destaco do jornal O GLOBO de hoje, a nota da coluna "Há 50 anos", de José figueiredo, na página 11 do Segundo Caderno, que trouxe uma notícia do mesmo jornal no dia 27 de julho de 1961:

"Desde o último sábado, dia 22, está à venda em São Paulo a carne de cavalo, que talvez venha a ser introduzida no Rio. A respeito, O GLOBO procurou ouvir nutricionistas, conhecer qual a reação da opinião pública. As opiniões foram quase unânimes contra o consumo dêsse tipo de carne".

Não pegou naquela época; e nem vai pegar.

* * * * *

Criança feliz

Do Segundo Caderno também, destaco o primeiro parágrafo da coluna do Artur Xexéo. Publicada na página 12, o texto foi intitulado "Em busca da felicidade":

"Houve um tempo em que imaginava que só poderia ser feliz se tivesse um Autorama. Meu pai percebeu minha angústia e me deu o mimo num Natal. Minha felicidade não durou muito tempo. Antes do fim daquele verão, o Autorama foi encostado num canto do quarto, enquanto me dava conta de que só seria feliz mesmo se tivesse uma bicicleta".

Artur Xexéo tem quase o dobro de minha idade, mas os sonhos foram os mesmos. O Autorama, que não tive; e a bicicleta, essa sim - um dos melhores presentes.

E o seu, qual foi?

terça-feira, 26 de julho de 2011

Para baixo do tapete?

Ponto de vista - 26 jul. 2011

Herança maldita, que nada


Na página 6 d'O GLOBO foi publicado o artigo "Justiça, corrupção e impunidade", do historiador Marco Antonio Villa. Destaco dois parágrafos, um do início e outro do final. O grifo é nosso.

Não há quem não fique indignado com as constantes denúncias de corrupção em todas as esferas do Executivo e do Legislativo. A cada mês ficamos horrorizados com o descaso e o desperdício de milhões de reais. Como não é possível ao cidadão acompanhar o desenrolar de um processo (e são tantos!), logo tudo cai no esquecimento e não ficamos sabendo da decisão final (isto quando o processo não é anulado e retorna à estaca zero). O denunciado sempre consegue encontrar alguma brecha legal e acaba sendo inocentado. E isto se repete a cada ano. Não há indignação que resista a tanta impunidade”.

“Há uma crise estrutural no Judiciário. Reformá-lo urgentemente é indispensável para o futuro da democracia. De nada adianta buscar explicações pífias de algum intérprete do Brasil, uma frase que funcione como um bálsamo. Ninguém aguenta mais as velhas (e ineficazes) explicações de que a culpa é da tradição ibérica, da cordialidade brasileira ou do passado escravista. Não temos nenhuma maldição do passado, algo insuperável. Não. O problema é o presente”.

* * * * *

Essa sim, herança maldita

Em outro artigo da seção de opinião, intitulado "O legado da servidão", este na página 7, o advogado José Carlos Tórtima discorre sobre a herança cultural da escravidão e seu enraizamento na sociedade brasileira. Destaco o primeiro páragrafo.

“Político, advogado, diplomata, literato e militante abolicionista, Joaquim Nabuco tinha lá sua veia de cientista social. Logo após a assinatura da Lei Áurea, pondo fim à escravidão, ele vaticinou que o estigma do regime ainda perduraria por dois séculos na sociedade brasileira. Filho de senhor de engenho e monarquista, Nabuco conhecia como poucos a visão de mundo das elites da nossa terra. E a História lhe daria inteira razão. A herança cultural da escravidão, oficialmente abolida em 13 de maio de 1888, permanece ainda hoje assustadoramente viva no Brasil”.

* * * * *

Para baixo do tapete?

Ontem eu dava destaque à reportagem que dizia que em nome da governabilidade, o PMDB será poupado da faxina promovida pela presidente Dilma em seus ministérios. Hoje o colunista Merval Pereira, na página 4, publicou um artigo sobre o assunto, intitulado "Faxina seletiva". Destaco dois páragrafos:

“A "faxina" que virou marca registrada da gestão da presidente Dilma não passa de uma ação reativa do Palácio do Planalto diante de denúncias da imprensa, e a única novidade é que, diferentemente do ex-presidente Lula, a presidente Dilma não passa a mão na cabeça dos acusados.

Quer dizer, não passa a mão na cabeça de acusados que não sejam de partidos políticos importantes, porque as legendas fortes continuam blindadas”.


* * * * *

Não maltratem a cultura

Ontem a coluna do Ancelmo Góis, na nota “Sobrou para a cultura” anunciava que a "proposta para o Orçamento de 2012 diz que a tesoura da ministra Miriam Belchior deve cortar uns R$ 500 milhões da Cultura em relação a 2010”. Na coluna de hoje (p. 16), na nota “Sem corte”, ele publicou que a “A ministra Miriam Belchior manda avisar ao pessoa da cultura que não haverá corte na grana do MinC ano que vem, em relação a 2010”.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Biblioteca de rico

Ponto de vista - 25 jul. 2011

A perigosa extrema-direita


Sobre o atentado terrorista na Noruega, saiu a reportagem “Radicalismo europeu”, de Nicholas Kulish, na página 23. Afirma que a tragédia na Noruega revela perigo do crescimento da extrema-direita no continente. A análise leva à reflexão:

“O sucesso dos partidos populistas que apelam para um sentimento de perda da identidade nacional trouxe críticas a minorias, imigrantes e, em particular, a muçulmanos. Tudo isso turbinado pela crise econômica, que infla o número de desempregados e aumenta a frustração.
A explosão e o tiroteios em Oslo servem como alerta para os serviços de segurança na Europa e nos Estados Unidos que, nos último anos, ficaram tão focados nos terroristas islâmicos que talvez tenham subestimado a ameaça de radicais locais”.

* * * * *

Biblioteca de rico

O Fundador do Institute for the Future of the Book (Instituto para o futuro do livro), Bob Stein, em entrevista dada a Márcia Abos, publicada na página 3 do Segundo Caderno d’O GLOBO, deu uma resposta que chama atenção para os que gostam de literatura e acompanham o advento do livro digital:

“Ler [um livro impresso, sozinhos, concentrados, por horas a fio]... é algo recente não é uma prática tão tradicional e arraigada assim. No século XIX, o normal era as pessoas lerem em voz alta, em grupo. Uma biblioteca pessoal com estantes cheias de livros era raríssimo, privilégio dos ricos até depois da Segunda Guerra Mundial. Os comportamentos que desenvolvem a leitura solitária são recentes. Temos medo de perder algo se esses hábitos mudarem. Mas a Humanidade evoluiu durante muito tempo sem isso. As novas gerações encontrarão algo novo que será tão valioso quanto este tipo de leitura foi para nós”.

* * * * *
Sempre na lanterna

Na coluna do Ancelmo Góis, na página 12, a nota “Sobrou para a cultura”. Ele diz: “Quem já viu no Planejamento a proposta para o Orçamento de 2012 diz que a tesoura da ministra Miriam Belchior deve cortar uns R$ 500 milhões da Cultura em relação a 2010”.

Sempre a cultura! Enquanto isso, banqueiros continuam faturando cada vez mais.

* * * * *

Governo refém

Na página 3, artigo de Gerson Camarotti e Adriana Vasconcelos afirma que, em nome da governabilidade, o PMDB será poupado da faxina promovida pela presidente Dilma. “Para não perder sustentação, presidente não fará limpeza em ministérios do partido”.

Esse “toma lá, dá cá” é mesmo inevitável? Indecente eu sei que é.

* * * * *

Corrupção enraizada

Destaque para a frase de Ricardo Noblat no seu artigo “Questão de fé”, em sua coluna semanal n’O GLOBO de hoje (p. 2):

"Há corrupção em quase todas as instâncias do governo. Os partidos brigam pelos cargos não para ajudar o governo, mas desviar o máximo de dinheiro possível".

* * * * *

Idade que chega

Da charge do "Gatão da meia-idade", de Miguel Paiva, na página 13, destaco uma frase interessante:

“Você está ficando velho quando... a data do seu nascimento começa a aparecer nos livros de história”.

domingo, 24 de julho de 2011

Consumo e costumes

Ponto de vista - 24 jul. 2011

Trotsky


Chamou-me atenção a reportagem de Fernando Eichenberg n'O GLOBO de hoje (p. 45), "Bisneta de Trotsky quer revolucionar o cérebro". A cientista mexicana Nora Volkow, radicada nos EUA, disse que se inspira no líder comunista para criar vacinas contra o vício em cocaína e nicotina.


Destaco o depoimento dela sobre a herança do bisavô famoso:

"Definitivamente, influiu no que sou. A expectativa que tenho como o que quero fazer da minha vida vem em grande parte por ter crescido nesta família, e pela grande admiração pelo que fez Trotsky como ativista revolucionário na URSS, mas também pelo que escreveu, pelo seu conceito de sistemas sociais globais, não isolados, o que para mim, como cientista, é importante. A ciência não tem fronteiras, e o conhecimento deve ser para todos".

* * * * *

Consumo e costumes


Na página 43 do mesmo jornal O GLOBO de hoje, a reportagem "O sotaque regional das compras", de Fabiana Ribeiro. Legal aprender sobre a diversidade dos tipos de consumidores brasileiros; e saber que as indústrias do varejo estão atentas às peculiaridades de cada região. Exemplos: Norte e nordeste dão muito valor às fragrâncias; baianos gostam de usar Leite de Rosas como desodorante; goianienses são grandes consumidores da fruta pequi; recifenses de uísque e curitibanos de xampu anticaspa; protetores solares são mais vendido no Sul do país. Os cariocas por sua vez são os maiores compradores de camarão e azeite; e, ao contrário do que se supunha, pouco consumidor do feijão carioca.

A reportagem revela, inclusive, que o carioca tem o hábito de comprar fraldas na farmácia; enquanto consumidores do restante do país preferem o supermercado - onde, a propósito, acabo de saber que o preço da fralda costuma ser mais barato.

domingo, 10 de julho de 2011

"É correto permanecer calado?"

Cícero sabia das coisas
por Dorrit Harazim

Há um balaio de palavras que se banalizaram de forma indigesta depois de adotadas pelo léxico do socialmente correto - transparência, parceria, comunidade, sustentabilidade são algumas delas. Mas nenhuma adquiriu vacuidade tão absoluta como o substantivo "ética" e suas variantes adjetivas ou adverbiais.

Perde-se a raiz da palavra quando, por exemplo, o empresário paulista Abílio Diniz publica um comunicado invocando os "princípios da ética comercial" no caso Carrefour, quando o governador Sergio Cabral cria duas comissões de ética para tratar das relações pessoais de seu governo com o setor privado, quando o Conselho de Ética do Senado tem Renan Calheiros entre seus integrantes.

Difícil haver um seminário de jornalismo, medicina ou olimpismo que não tenha algum painel sobre Código de Ética. Soa virtuoso, solene, importante. De tão citada, a pobre ética já se transformou numa ferramenta verbal multiuso. "Todo bandido tem ética... em todas as profissões tem ética", afirmou recentemente o advogado paulista Jefferson Badan, em defesa de um cliente que participou da morte de um universitário de 24 anos e se recusava a nomear o comparsa.

No dia seguinte Badan desculpou-se pelas declarações dadas na sede do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa - "Falei frases infelizes, fui mal interpretado" - e a diretoria da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil não precisou tratar do assunto. De todo modo, segundo o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio D"Urso, a afirmação do advogado, apesar de condenável, não infringe o... Código de Ética da entidade.

Nessa batida, o defenestrado ministro dos Transportes Alfredo Nascimento e seu filho arquiteto, cuja firma multiplicou o patrimônio em 86.500% em dois anos, ainda acabam por se escorar em alguma frase solta de Aristóteles.

Antes que isso aconteça, e dado que em Brasília tudo pode acontecer, convém a presidente Dilma Rousseff distribuir o ensaio "Dos deveres" de Marco Túlio Cícero, a quem cruzar com ela até o fim do mandato. Não que o livro seja recente - é do ano 44 AC - mas cai como uma luva para quem já perdeu quatro colaboradores de primeiro escalão. O ensaio tem a vantagem de ser de compreensão mais imediata do que o amplo tratado do grego Aristóteles sobre virtude e ética.

Ao escrever sua última obra, o filósofo, orador e político romano se ocupou de questões bastante simples. Qual o grau de honestidade que um homem de negócios deve manter? É lícito contornar as leis? Como deve um homem de bem responder a demandas injustas de um tirano? É correto permanecer calado?

A solução de Cícero para essas questões do dia a dia soam igualmente simples: sempre faça a coisa certa porque mesmo que o errado lhe traga alguma vantagem, ela nunca será totalmente do seu interesse. E por quê? Por ser errada.

Mas como saber o que é certo? Para começar, ensina o autor, siga a lei. E quando a lei não for justa, seja honesto, franco e reto, leal a suas convicções sejam quais forem as consequências. Diga a verdade, mesmo não estando sob juramento.

A força dessa regra de conduta aparentemente banal, ou irreal, reside na sua obviedade: todo ser humano que não seja mentalmente lesado tende a saber distinguir o certo do errado. No decorrer de toda uma vida, ensina Cícero, são poucas as circunstâncias em que não temos certeza de termos feito a escolha correta.

Mas, se não quiser distribuir textos de mais de dois mil anos de idade, Dilma também pode adotar a fórmula radical usada por Barack Obama ao ser eleito presidente dos Estados Unidos. Na época, ele entregou um formulário de 7 páginas e 63 perguntas a serem respondidas por todo postulante a qualquer cargo de confiança no governo. Não escaparam do questionário sequer os 150 nomes de sua preferência para algum dos 800 cargos que nos Estados Unidos exigem aprovação do Senado.

O questionário fuçava o passado pessoal, financeiro e profissional do candidato, e cobria os dez últimos anos de cada respondente. Além de exigir respostas igualmente detalhadas sobre as atividades de filhos maiores e cônjuges, incluía eventuais conflitos de interesses, possíveis mimos recebidos de lobistas, escapadelas amorosas. A pergunta de número 13 gerou arrepios: "Alguma vez você enviou uma mensagem eletrônica - e-mail, mensagem de texto ou SMS, que pode causar embaraço a você, sua família ou ao presidente caso venha a público?"

Para o analista político David Gergen, que foi conselheiro de quatro presidentes americanos, "este foi o questionário mais invasivo que já passou pela Casa Branca". Ele acabou excluindo a megaempresária de Chicago Penny Pritzker, herdeira de uma família que há 30 anos frequenta a lista das mais ricas dos Estados Unidos, e que arrecadara 750 milhões de dólares para a campanha democrata. Penny era a escolha de Obama para ocupar a pasta do Comércio.

Segundo a equipe de advogados que elaborou o questionário, ele não se destinava a eliminar candidaturas. Pecadillos podiam perfeitamente ser relevados, já que todo bípede os tem. A finalidade do crivo era evitar surpresas e impedir a frase mais repetida em Brasília: "Eu não sabia."

DORRIT HARAZIM é jornalista.

O GLOBO, Rio de Janeiro, 10 jul. 2011, p. 06, grifo nosso.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Caixa de comentários - A Demolidora

A ira do leitor, descrita pela crônica de Joaquim Ferreira dos Santos.

* * * * *

Caixa de comentários
por Joaquim Ferreira dos Santos

Um velho amigo psicanalista, o dr.Francisco Daudt, recomenda aos seus clientes o uso do humildificador. É uma máquina a ser inventada. Cada pessoa se submeteria a ela diariamente, pela manhã, antes de sair de casa, com a finalidade de rebaixar os níveis de vaidade, arrogância e presunção. Uma máquina para nos levar de volta à nossa desimportância. Seria uma UPP do ego, que pacificaria no homem o seu desejo primitivo de, assim que colocasse os pés na rua, marchar orgulhoso sobre as hostes inimigas, ou seja, o resto da Humanidade.

Filtrados pelos raios companheiros do humildificador, todos ficaríamos mais gentis e de um tamanho compatível com o que na verdade somos. Nem deuses nem Bozos. Quase normais. O pó bíblico. Seria a máquina do “menos, meu bem, menos”, uma frase que não se aceita ouvir nem do grande amor que nos vai ao lado pelo café das manhãs. Ao fim da sessão, o humildificador nos liberaria para a convivência, naquele ponto certo de equilíbrio, fúria narcísica estabilizada, o senso de medida aguçado e a compreensão afinal de que não somos isso tudo.

Eu achava que o e-mail do leitor era o mais cruel humildificador do jornalista. O cidadão clica no endereço do cronista, um sujeito que deve se achar o rei da espécie pois acabou de publicar meia página cheia de palavras no jornal da capital, e diz o que achou. Cru, no cangote do autor, um peteleco no lóbulo, um catiripapo à sorrelfa, sem a necessidade de olhar no olho e nem mesmo se identificar com o número do RG. Semanalmente recebo algum e-mail assim. Funciona como um humildificador. É do jogo e, como previa Francisco Daudt, terapêutico.

O cidadão comprou o jornal, não gostou do que leu e quer deixar isso bem claro ao jornalista, que supõe um ser posudo e com ares de dono do mundo, do outro lado do ringue. Cai matando com o e-mail, o canhão que o mundo digital lhe pôs à mão. Mete o pau na falta de vocabulário, ri das concordâncias, lamenta a obviedade do raciocínio. Qualquer vírgula fora do lugar e são dezenas de puxões de orelha, ameaças de que vai cancelar a assinatura.

Gosto particularmente, como humildificador de cabeceira, daquele e-mail em que o leitor, após analisar o que eu tinha escrito no jornal, nem se deu ao trabalho de gastar muito tempo para explicar seu desapontamento. Seco, quase um Graciliano Ramos, sintetizou o que achara em apenas uma palavra:“Desiste”. Tem sua elegância.

De vez em quando, dependendo da ira que move o leitor, do quão lamentável ele achou a perda de tempo com o texto que comprou na banca, a crítica é enviada com cópia para o ombudsman ou o diretor de redação. “Saudades do Rubem Braga”, dizia outro, também com aquele estilo certeiro de enviar o cronista ao colo do humildificador.

Eis que agora os novos meios digitais inventaram o mais demolidor dos humildificadores — a caixa de comentários. Os cristãos jogados aos leões no Coliseu, os torcedores do Vasco que entraram na arquibancada do Flamengo, os passageiros das vans do Rio — eles são uns felizardos. Apanha-se mais na caixa de comentários. Os estupradores que chegam aos presídios, os passageiros do metrô na hora do rush, os velhinhos na fila do INSS — eles não sabem que pode ser pior ainda.

A caixa de comentários é a nova praça de touros, sendo que as bandeirolas agora são cravadas a frio na corcova do sujeito que teve a desfaçatez de escrever suas ideias. É aquele link, no final de cada texto dos sites e blogs. O leitor clica em cima e imediatamente abre-se uma caixa em branco para ele encher de comentários. Serve o que vier à cabeça. O importante é meter bronca. Os jornais têm mecanismos de filtragem impedindo a postagem de palavrões. De resto, vale tudo. Em segundos, honras construídas com muito esforço por anos de trabalho são apedrejadas com o escarro mais grosseiro. É um corredor polonês — e este texto, que ainda nem foi lido na íntegra, já deve estar fazendo jus à impressionante sanha assassina que move os assinantes das caixas, o mais doloroso de todos os humildificadores.

Chico Buarque acabou de declarar que se achava amado, suas músicas eram cantadas por todos, os shows estavam cheios — até que seu site abriu uma caixa de comentários e ele percebeu. Era odiado. Chico se considerava um trabalhador honesto e de méritos, como o Pedro Pedreiro da música. Viu pelas frestas da caixa de comentários que não passava da nova Geni a ser apedrejada. Imagine-se, então, o que sofre um cronista de segunda.

A caixa de comentários é o novo tiro aos pombos, o saco de areia do boxe, a peteca dos militares no Posto 6 e o judas do Bolsonaro. Pancada neles. Eu acho mais civilizado o chute que o Anderson Silva deu no queixo do Victor Belfort. Estava nas regras, e Victor sabe quem chutou. Na caixa de comentários, escondido atrás de um nome-fantasia, alguém percebe que chegou a hora de brincar de videogame com uma cabeça que se deu ao trabalho de pensar — e, agora não mais num email particular, mas com a audiência de toda a internet, sai chutando o corpo estendido no chão das reputações alheias.

É uma das poucas unanimidades contemporâneas. Para quem escreve em caixa de comentários, ninguém presta. Jornalistas são todos uns ignorantes; músicos, uns velhos ultrapassados. Odeia-se. Parece que o sujeito ficou cansado de jogos de violência e vai ver outro site, mas continua atirando a esmo em qualquer coisa que se mexa. É a nova briga de rua, todo mundo batendo ao mesmo tempo, agora com o soco inglês transformado em verbo soez para cutucar o fígado alheio. Humildifica, mas não precisava cuspir.

O GLOBO, Rio de Janeiro, 04 jul. 2011. Segundo Caderno, p. 10, grifo nosso.

"Gente diferenciada" merece Rodoviária

Há quase vinte dias foi notícia que a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro estuda mudar a Rodoviária Novo Rio, em Santo Cristo, para Irajá. Nos dias seguintes, a seção de cartas de leitores d'O GLOBO apareceu abarrotada de protestos. Certamente, creio eu, de pessoas mais aquinhoadas que moram nos bairros mais próximos da atual Rodoviária. Para o povão, que mora no subúrbio, penso que seria bem melhor no Irajá - como um outro leitor bem descreveu:

Carta publicada n'O GLOBO. Rio de Janeiro, 27 jun. 2011.