quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Os Arquivos de Sherlock Holmes - resenha



Os arquivos de Sherlock Holmes
Sir Arthur Conan Doyle
Martin Claret
228 páginas. R$ 17,50.
www.martinclaret.com.br


“... era brasileira de nascimento... Filha do sol e da paixão. Ela o amou como só essas mulheres podem amar.” (O problema da ponte Thor)

Assim Arthur Conan Doyle, um escritor e médico nascido em Edimburgo (Escócia) no ano de 1859, descreve a única personagem brasileira da obra que resenhamos. A fama desse autor deve-se, certamente, por suas obras cujo personagem principal é o detetive Sherlock Holmes; embora, além da literatura criminal, também tenha escrito peças de teatro, poesias e obras de não-ficção; entre outros gêneros.

“Os arquivos de Sherlock Holmes”, publicado pela editora Martin Claret, é uma tradução de Casemiro Linarth da obra de título original “The Case-Book of Sherlock Holmes”, uma coleção de contos publicados pela primeira vez entre 1921 e 1927 em revistas da Inglaterra e dos EUA. Foi a derradeira obra do autor sobre Sherlock Holmes, personagem o qual ele já havia “matado” em 1893, mas que decidira “ressuscitar” em 1903, após uma enxurrada de apelos de seus fiéis leitores.

Como nos quatro romances e nos outros quatro contos que formam o chamado cânone do personagem, ficamos em grande expectativa durante o desenvolvimento da narrativa, tentando, nós mesmos, encontrar as pistas e desvendar os mistérios; mas o grande detetive sempre nos surpreende. Sherlock Holmes é sempre procurado por seus clientes devido a sua fama e reconhecimento. No conto “Os três Garriders”, o personagem seu amigo, dr. Watson, narra que Holmes teria recusado o título de cavaleiro em 1902. Uma brincadeira perspicaz, pois foi exatamente o ano em que o autor do conto foi condecorado com tal título, passando a ser chamado de Sir Arthur Conan Doyle.

Chama-nos atenção, como casos, digamos, excepcionais, que dois contos são narrados pelo próprio protagonista, Sherlock Holmes: “O soldado pálido” e “A juba do leão”. O ritmo da narrativa é bem diferente dos casos narrados pelo seu (quase) inseparável amigo, Watson. Também damos destaque, neste último conto citado, ao trecho em que o sisudo celibatário Sherlock Holmes se encanta por mulher:

“Não se podia negar que ela embelezaria qualquer reunião no mundo. (...) Raras as vezes senti atração por mulheres, pois o cérebro sempre governou o meu coração, mas me bastou olhar aquele rosto perfeitamente delineado, delicadamente colorido pelo frescor suave das terras baixas, para compreender que nenhum jovem poderia atravessar-se no seu caminho e sair ileso”.

As mulheres ibero-americanas por sinal, com suas personalidades fortes, ganham destaque do autor em três contos: A brasileira citada no início, uma peruana (O vampiro de Sussex) e uma outra espanhola cuja família “governou Pernambuco durante gerações” (Os três frontões).

“A inquilina do rosto coberto” é um conto muito perspicaz, que foge de qualquer padrão pelo seu desfecho; pois nele Holmes age de forma diferente. No mesmo conto, e num outro (O velho solar de Shoscombe), alguns crimes não são necessariamente punidos.

Holmes, como conhecemos de outras obras, não se importa em receber os créditos por decifrar os mistérios, mas trabalha mesmo pelo desafio mental do método da lógica dedutiva. No ótimo conto “Cliente Ilustre”, o que o motiva é o desafio:

“Se é mais perigoso que o Prof. Moriarty vale a pena conhecê-lo”.

Não é a toa que CSI é a série mais vista em todo o mundo nos dias de hoje. Tal qual Batman, o famoso herói dos quadrinhos e do cinema, tiveram no personagem Sherlock Holmes sua referência; e conquistam mais fãs a cada dia.

Perto da estréia de mais um filme sobre Sherlock Holmes no cinema, recomendamos a leitura da obra do Sir Arthur Conan Doyle. Sempre, sempre o livro será melhor. O hábito de leitura nunca deve ser deixado de lado, preterido pela televisão ou pela tela grande. O personagem Sherlock Holmes, inclusive, valoriza a cultura geral... De tudo se dever ler um pouco. Em vários contos, ele encontra nos livros as chaves para desvendar os mais intrincados mistérios:

“Sou um leitor que devora tudo. (...) Eu sabia que tinha lido em alguma parte num contexto inesperado.” (A juba do leão).

Assim também o é em nossas vidas. O livro muda as pessoas porque as ajuda a decifrar o mundo.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Feliz Natal, como no ano passado

Ponto de vista - 24 dez. 2011

Na véspera do Natal deparei-me com a deliciosa crônica de Zuenir Ventura, intitulada "Tudo sempre igual", publicada na página 7 d'O GLOBO de hoje; que, por isso, publico aqui. Deixamos, também, os nossos votos de um Feliz e hamornioso Natal. Os grifos são nossos:


"Vou me repetir mais uma vez. Todo ano é assim, parece reprise. Mas o que se há de fazer, se tudo nessa época é repetitivo: a música, a rabanada, os amigos-ocultos, os presentinhos, os votos, os engarrafamentos, o movimento das lojas, sem falar no dinheirinho compulsório para os porteiros, o mendigo de estimação, o guardador de carro, os entregadores de jornais, de remédio, de pizza, garis e carteiros. Contrariando o que dizia o famoso soneto de Machado de Assis —"Mudaria o Natal ou mudei eu?" — não mudou o Natal nem mudei eu. Ainda por cima, a data cai sempre nos dias em que tenho de escrever ou publicar coluna: no próprio dia 25, como em 2010, e na véspera, como agora. Como evitar o tema?

A exemplo dos Natais anteriores, o tempo e a paciência foram poucos para cumprir todos os compromissos de fim de ano, já não digo de compras, que minha mulher faz, mas o atendimento de convites. Parece que todos os lançamentos, todas as noites de autógrafos, todas as exposições, todos os almoços e jantares de confraternização foram deixados para acontecer nesse período. Não poder ir a todos, ter que escolher uns em detrimento de outros é uma das aflições dessa época. Mas o pior do Natal é sua submissão ao consumo, o que acaba fazendo dele "um orçamento", como já dizia Nelson Rodrigues.

Graças a isso, é a mais colonizada de nossas principais efemérides, a começar pelo Papai Noel. Não há figura mais inverossímil e anacrônica, inclusive pelo traje, do que o bom velhinho todo agasalhado, com aquele gorro ridículo, arrastando o saco nas costas no calor deste começo de verão e rosnando "Rou, rou, rou". No entanto, continua popular. Piegas e cafona, mas popular, mesmo entre os que não acreditam nele. Por que será? Talvez seja porque, se o réveillon é a euforia, e o carnaval, a orgia, o Natal é o eterno retorno à infância — o momento da fantasia, do faz de conta.

A verdade é que, apesar do desvirtuamento de sentido, a data continua impregnada de simbologia e significados, carregando sonhos, desejos e esperança, tudo do que se precisa. Eu, por exemplo, não consigo deixar de fazer uma viagem nostálgica a um longínquo passado sempre que ouço o "Noite feliz". É como se, ainda coroinha, estivesse ajudando uma missa de meia-noite rezada em latim, claro, no colégio de padres de Ponte Nova, em Minas Gerais.

Comecei repetindo e vou terminar da mesma maneira, desejando para vocês um nada original, mas sincero feliz Natal."

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Quantos livros você lê por ano?

Ponto de vista - 15 dez. 2011

A matéria de André Miranda, intitulada "O longo caminho até as metas do MinC ", publicada na página 12 do Segundo Caderno d'O GLOBO de hoje, sobre o anuncio das metas do governo federal expressas no Plano Nacional de Cultura, dá números alarmantes sobre a falta de hábito de leitura do brasileiro em geral. A média de livros lidos anualmente, digamos, por prazer, não chega a dois; quando o mínimo ideal, seriam quatro. Os grifos são nossos:


"[...] uma das metas do PNC [Plano Nacional de Cultura] é que todos os municípios brasileiros tenham uma biblioteca pública. Até o fim do ano, de acordo com a Fundação Biblioteca Nacional, apenas 18 dos 5.565 municípios brasileiros ainda não terão recebido o kit para a implantação de suas bibliotecas, o que deve acontecer em 2012. A partir do recebimento do kit, os municípios têm três anos para implantar sua biblioteca. Atualmente, há 5.530 bibliotecas públicas no país.

Além da presença física, outra meta do PNC é que cada brasileiro leia quatro livros por ano, sem contar aqueles do aprendizado formal.

— Para se chegar à meta, será preciso trabalhar muito. Hoje, a média é de 1,3 livro lido por ano entre não estudantes — afirrna Galeno Amorim , presidente da Biblioteca Nacional.— Mas é possível. Ao criarmos mais bibliotecas, ampliarmos os pontos de venda e baratearmos os preços, o índice de leitura vai aumentar — promete."

domingo, 11 de dezembro de 2011

Livros: afeto e provocação

Ponto de vista - 11 dez. 2011

Ansioso para ler "O Cemitério de Praga" (Record, 480p.), gostei muito da entrevista concedida pelo escritor Umberto Eco ao jornalista Guilherme Aquino, publicada hoje na página 4 do Segundo Caderno d'O GLOBO sob o título "O mestre dos livros". Destaco as respostas para duas perguntas da dita entrevista. Os grifos são nossos:


"O senhor gosta de desafiar o leitor com fatos e palavras...

- Somos 7 bilhões no mundo, então o número dos meus leitores é mínimo, mas alguns querem um desafio, querem que um livro seja uma provocação para a inteligência, um esforço. Os editores acham que o leitor quer coisas fáceis. Mas, para isso, ele já tem a televisão. Ninguém consegue explicar por que o único livro fácil que escrevi, "A misteriosa chama da Rainha Loana" (2004), não interessou a ninguém. Tudo chega mastigado. Escrevo para os masoquistas que querem ser maltratados.


Qual é a sua relação com a tecnologia? Acredita que o livro em papel resistirá?

- O livro de papel tem ainda um destino a ser cumprido, pelo menos no sentido técnico. Temos a prova científica de que um livro de papel dura 550 anos. Eu tenho na minha biblioteca livros produzidos cinco séculos atrás. Não temos ainda a capacidade de provar que um material eletrônico dure mais do que X anos, mas certamente não será de 500 anos, porque existe uma renovação contínua. Há ainda o fato de que você encontra no porão de casa o livro que leu quando tinha 10 anos, com os seus sinais nas margens... Se amanhã encontrar no porão um pen-drive, ele não vai lhe dizer nada. Com o livro, se estabelece uma relação física, carnal, afetiva. Enfim, é muito melhor para uma criança levar para a escola um iPad com os dicionários do que levar todos os volumes nas costas. Mas é muito difícil ler "Guerra e paz" num e-book. Com o tempo, mudei levemente de opinião. Recentemente fiz viagens de 20 dias e levei 20 livros pesados. Na segunda vez, carreguei 20 livros no iPad."

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Tempo desperdiçado deve ser indenizado

Ponto de vista - 05 dez. 2011

Muito útil para consumidor a matéria assinada por Nadja Sampaio, intitulada "Livro defende indenização por desperdício de tempo ", publicada na página 42 do d'O GLOBO do último Domingo sem o destaque que merecia. Os grifos são nossos:


"Existe um novo e relevante dano no mercado de consumo, que até agora foi desprezado pelo Direito: o tempo que o consumidor perde para reclamar seus direitos deve ser indenizado, pois tem um impacto negativo na sua vida. A tese defendida pelo advogado Marcos Dessaune no livro "Desvio produtivo do consumidor" diz que este, quando precisa resolver uma reclamação, vê-se forçado a desperdiçar seu tempo - desviando-se de atividades como trabalho, estudo, descanso, lazer - para tentar resolver problemas que o fornecedor tem o dever de não causar.

Ter que retornar diversas vezes à loja ou à assistência técnica para reclamar de um produto com defeito pouco tempo depois de comprado: telefonar insistentemente para o SAC de uma empresa para cancelar um serviço não solicitado ou urna cobrança indevida e levar o carro várias vezes à oficina são alguns exemplos citados no livro.

- Tais situações corriqueiras ainda não haviam merecido a devida atenção do Direito brasileiro. Embora causem grande prejuízo ao consumidor, trata-se de fatos lesivos que não se enquadram nos conceitos tradicionais de dano material indenizável, de perda de uma chance, tampouco podem ser banalizados como meros dissabores ou percalços na vida do consumidor, como vêm entendendo muitos juízes e tribunais - explica.

Segundo Dessaune, a missão de qualquer fornecedor é oferecer produtos e serviços de qualidade, condição essencial para que o consumidor possa empregar seu tempo nas atividades de sua preferência.

- Constatei em minha pesquisa que o tempo de que a pessoa dispõe na vida caracteriza-se pela escassez, inacumulabilidade e irrecuperabilidade. Trata-se do bem primordial e possivelmente mais valioso da pessoa, só comparável à sua saúde física e mental. Segundo averiguei, o novo paradigma de investigação do dano injusto em lugar do tradicional ato ilícito, no âmbito da responsabilidade civil contemporânea, possibilitaria a ampliação das hipóteses de danos indenizáveis, como as situações de desvio produtivo do consumidor— diz."

domingo, 4 de dezembro de 2011

TV e controle

Ponto de vista - 04 dez. 2011

Entre as várias cartas de leitores publicadas na página 8 d'O GLOBO de hoje (04 dez. 2011) , destaco a de Erico Tachizawa - intitulada
"A TV e as crianças". Concordo com ele. Os grifos são nossos:


"Em nome da liberdade de expressão, cenas impróprias para a formação de nossos filhos poderão vir a ser transmitidas em qualquer horário, pelas emissoras de TV. O argumento de que cabe aos pais fazerem esse controle é falacioso, já que os responsáveis, em sua maioria, trabalham fora e chegam em casa à noite. Além disso, quantos terão o discernimento de um juiz para ler as mensagens nocivas que muitas vezes aparecem ocultas na programação? E como devem proceder quando uma cena que julgarem imprópria aparecer em um inofensivo programa a que estejam assistindo? Devem desligar a TV com a rapidez de um raio ou mandar seus filhos menores saírem imediatamente da sala e só retornarem após os comerciais? - Paulo Marcus Sampaio Eloy (Rio)"

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Figadal literatura

Ponto de vista - 30 nov. 2011

Hoje na coluna de Francisco Bosco, em artigo intitulado "Minhas doenças", na página 2 do Segundo Caderno d'O GLOBO, um exemplo muito forte de identificação com os livros e com a literatura. Confira o trecho (os grifos são nossos):


"[...] Já adoeci também lendo livros; livros longos, exigentes, de alta concentração de Vida. Adoeci com certa gravidade enquanto lia as 1.600 gloriosas páginas de “Guerra e paz” [do escritor russo Leon Tolstói]. Diversas vezes sonhava com a história do livro: tão forte é ele que sua realidade prevalecia sobre os vestígios de meu dia. Um livro mais real que a realidade: não é outra a exigência da literatura. Antonia, com quem sou casado, atribuía minha doença ao livro, e pedia que eu o abandonasse. [...]"

* * * * *

Dia desses eu lia no Skoob (a rede social de livros) a sinopse e resenhas sobre o livro "Crime e Castigo", de Fiódor Dostoiévski (Editora Martin Claret) - outro clássico escritor russo. Praticamente todos, mesmo os que não tinham gostado, destacavam a profundidade do livro. E você leitor: Já teve uma relação tão íntima com alguma obra? Ficou pensando na história durante o dia? Chegou ao ponto de passar mal ou sonhar com personagens nos dias de leitura?

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A Ética e os clássicos

Ponto de vista - 28 nov. 2011

Destaco o artigo do escritor Frei Betto, autor de "Batismo de Sangue", intitulado "Águas da ética", que foi publicado Domingo (27/11) na página 7 d'O GLOBO. Um excelente artigo sobre a Ética, tão necessária nos dias de hoje, trilhando o caminho de vários pensadores; autores de vários clássicos da literatura universal. Os links e os grifos são nossos:


"Sócrates foi condenado à morte por heresia, como Jesus. Acusaram-no de pregar novos deuses. Tal iluminação não lhe abriu os olhos diante do céu, e sim da Terra. Percebeu não poder deduzir do Olimpo uma ética. Os deuses do Olimpo podiam explicar a origem das coisas, não ditar normas de conduta.

A promiscuidade no Olimpo não convinha traduzir-se em atitudes; assim, a razão conquistou autonomia frente à religião. Em busca de valores capazes de normatizar a convivência humana, Sócrates apontou a nossa caixa de Pandora: a razão.

Se a moral não decorre dos deuses, devemos erigi-la. Em Antígona, peça de Sófocles, em nome de razões de Estado Creonte proibiu Antígona de sepultar seu irmão Polinice. Ela se recusou a obedecer a “leis não escritas imutáveis, que não datam de hoje nem de ontem, que ninguém sabe quando apareceram”. Eis a afirmação da consciência sobre a lei, da cidadania sobre o Estado.

Platão ensinou a discernir realidade e ilusão. Em República, lembrou que, para Trasímaco, a ética de uma sociedade reflete os interesses de quem ali detém o poder. Poder é o direito concedido a um indivíduo ou conquistado por um partido ou classe social de impor a sua vontade aos demais.

Aristóteles nos arrancou do solipsismo ao associar felicidade e política. Mais tarde, Santo Tomás de Aquino, inspirado nele, formulou uma ética política ao priorizar o bem comum e valorizar a soberania popular e a consciência individual como reduto indevassável.

Maquiavel, na contramão, destituiu a política de ética e a reduziu ao jogo de poder.

Para Kant, a grandeza do ser humano reside na ética, na capacidade de se autodeterminar a partir da própria liberdade. Há em nós um senso inato do dever. Não deveríamos deixar de fazer algo por ser pecado, e sim por ser injusto. A ética individual deve se complementar pela ética social, já que não somos um rebanho de indivíduos, mas uma sociedade que exige, à boa convivência, normas e leis e, sobretudo, cooperação de uns com os outros.

Hegel e Marx acentuaram que a liberdade é sempre relacional, consiste na construção de comunhões com a natureza e os nossos semelhantes. Porém, a injustiça torna alguns dessemelhantes.

Nas águas da ética judaico-cristã, Marx ressaltou a irredutível dignidade de cada ser humano e, portanto, o direito à igualdade de oportunidades. Em outras palavras, somos tanto mais livres quanto mais construímos instituições que promovam a felicidade de todos.

A filosofia moderna abriu novo campo de tensão ao frisar que, respeitada a lei, cada um é dono de seu nariz. A privacidade como reino da liberdade total. Deslocou a ética da responsabilidade social (cada um deve preocupar-se com todos) para os direitos individuais (cada um que cuide de si).

Tal distinção ameaça a ética de ceder ao subjetivismo egocêntrico. Tenho direitos, prescritos numa Declaração Universal, mas e os deveres? Que obrigações tenho para com a sociedade em que vivo? O que tenho a ver com o faminto, o excluído e o meio ambiente?

Daí a importância do conceito de cidadania. Os indivíduos são diferentes e, numa sociedade desigual, tratados segundo sua importância na escala social. Já o cidadão, pobre ou rico, é dotado de direitos invioláveis, e está sujeito à lei como todos os demais.

Agora, a humanidade desperta para os efeitos nefastos de seu modo de subjugar a natureza.

A recente consciência ecológica amplia a noção de ethos. A casa é todo o Universo. Não se fala de Pluriverso, mas de Universo. Há uma íntima relação entre todos os seres visíveis e invisíveis, do macro ao micro, das partículas elementares aos vulcões.

Segundo Teilhard de Chardin, o princípio da ética é o respeito a todo o criado para que desperte suas potencialidades. Assim, faz sentido falar da dimensão holística da ética.

O ponto de partida da ética foi assinalado por Sócrates: a polis, a cidade. A vida é processo pessoal e social. A ótica neoliberal erra ao dizer que cada um se contente com o seu mundinho.

Mas fica a pergunta de Walter Benjamin: o que dizer a milhões de vítimas de nosso egoísmo?"


* * * * *

O blog incluiu links que não constavam do original. São livros do catálogo da Martin Claret, editora que se destaca no mercado por priorizar os clássicos da literatura universal, publicando-os em formato de bolso e num preço bastante acessível; o que é uma louvável ação de promoção da leitura.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ministro fanfarrão

Ponto de vista - 23 nov. 2011

Destaco o artigo do antropólogo Roberto DaMatta, autor de "Carnavais, malandors e heróis", intitulado "Mentira & politicagem", que foi publicado hoje n'O GLOBO e também no Estadão. Ele expressa muito bem a nossa estupefação com caso recente do Ministro do Trabalho, que mentiu no Congresso e uma desmascarado, o que aconteceu?... Nada. Continua ministro. O grifo é nosso:

"Seria mentira uma realidade da política brasileira? Sobretudo neste momento em que o governo de dona Dilma constitui uma Comissão da Verdade, mas um dos seus ministros - justamente o do Trabalho que é o apanágio do seu partido (o dos trabalhadores) - mente de modo claro, aberto, insofismável e - mais que isso - com uma verve e um nervo dignos de um astro de novela das 8?

Fiquei deveras assombrado por sua ousadia e desenvoltura de ator, quando - perante o Congresso - ele diz não conhecer o empresário com quem jantou, andou de avião e contemplou - com um olhar digno de um Anthony Hopkins - um pedaço de papel com o nome da questionada figura, numa simulação dramática que era a maior prova de que mentia descaradamente.

Ou seja, para o governo é mais fácil resgatar o passado fabricado pelo autoritarismo do regime militar - um momento no qual opiniões conflitantes eram proibidas e que engendrou oposições à sua altura e igualmente fechadas; passando por alto pela Lei da Anistia - do que demitir um ministro mentiroso. Continuamos a refazer o que não deveria ter sido feito, e a não fazer o que o bom senso exige que se faça.

* * * *

Viver em sociedade demanda mentir. Como exige comer, confiar e beber - mas dentro de certos limites. Os americanos distinguem as "white lies" (mentiras brancas ou brandas) - falsidades sem maiores consequências - das mentiras sujeitas a sanções penais e éticas.

Pois como todo mundo sabe, a América não mente. Ela está convencida - apesar de todas as bolhas e Bushes - de que até hoje segue o exemplo de George Washington, seu primeiro presidente; um menino obviamente neurótico que nunca mentiu. Na América há todo um sistema jurídico que dá prêmios à verdade muito embora, num lugar chamado Estados Unidos, minta-se à americana. Ou seja, com a certeza de que se diz a verdade, somente a verdade, nada mais do que a verdade. E que Deus me ajude! Foi o que fez, entre outros, Bill Clinton, quando negou ter tido sexo com a dragonarde Monica Lewinsky, porque o que eles fizeram no Salão Oval não estava na Bíblia.

* * * *

No Brasil não acreditamos ser possível existir sem mentir. Basta pensar no modo como fomos criados para entendermos a mentira como "boa educação" ou gentileza, pois como cumprir a norma de não discutir com os mais velhos sem enganar? Como não mentir quando a mulher amada chega do salão de beleza com o cabelo pintado de burro quando foge e pergunta: querido, o que é que você acha do meu novo penteado? Ou quando você confessa ao padre aquele pecado que você comete diariamente e dele se arrepende também cotidianamente, só para a ele voltar com uma volúpia apenas compreendida pelo velho e bom catolicismo romano? Como não mentir diante do seu professor, um Burro Doutor, que diz que sabe tudo, mas não conhece coisa nenhuma? Ou do amigo que escreve um livro de merda, mas acha que obrou coisa jamais lida? Ou para o netinho que questiona, intuindo Descartes: se existe presente, onde está Papai Noel?

Como não mentir se o governo mente todo o tempo, seja não realizando o que prometeu nas eleições, seja "blindando" os malfeitos inocentes dos seus aliados, seja dizendo que nada sabe ou tem a ver com o que ocorre debaixo dos seu nariz de Pinóquio?

* * * *

Numa sociedade que teve escravos, entende-se a malandragem de um Pedro Malasartes como um modo legítimo de burlar senhores cruéis. Mas não se pode viver democraticamente aceitando, como tem ocorrido no lulo-petismo, pessoas com o direito de mentir e roubar publicamente. Mentir para vender um tolete de merda como um passarinho raro ao coronelão que se pensa dono do mundo é coisa de "vingança social" à Pedro Malasartes.

No velho marxismo no qual eu fui formado, tratava-se de uma forma de "resistência" ao poder. Mas será que podemos chamar de "malfeitos" o terrorismo e o tráfico? Seria razoável aceitar a mentira como rotina da vida política nacional porque, afinal de contas, o "Estado (e a tal governabilidade com suas alianças) tem razões que a sociedade não conhece" ou, pior que isso, que o nosso partido tem planos que tanto o Estado quanto a sociedade podem ser dispensados de conhecer?

* * * *

No Brasil das éticas múltiplas (uma mentira e uma verdade para cada pessoa, situação, tempo e lugar), temos a cultura do segredo competindo ferozmente com a das inúmeras versões que, normalmente, só quem sabe a mais "verdadeira" é quem conhece alguém mais próximo do poder. Entre nós, a verdade tem gradações e lembranças. No antigo Brasil do "você sabe com quem está falando?", dizia-se: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei! Hoje, nos vem à mente uma velha trova mineira: "Tu fingiste que me enganaste, eu fingi que te acreditei; foste tu que me enganaste ou fui eu quem te enganei?"

Com a palavra, os eleitos e os nomeados.
"

domingo, 23 de outubro de 2011

Bicicleta e integração

Ponto de vista - 23 out. 2011

Destaco a matéria assinada por Claudio de Souza, sob o título "Integração de pedais e trilhos longe do ideal", publicada hoje n'O GLOBO em continuação da série de reportagens "Vou de Bicicleta". Publicamos aqui, o texto da versão on-line. O grifo é nosso:

"A integração da bicicleta com outros meios de transporte de massa é um dos caminhos para melhorar o trânsito da cidade e reduzir a emissão de gases poluentes. Entretanto, a infraestrutura existente na região metropolitana do Rio ainda não estimula essa dobradinha sustentável. Esta sexta reportagem da série "Vou de Bicicleta", mostra que, de um total de 133 estações de trem e metrô, apenas 20, ou seja 15%, oferecem bicicletários.


Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), feita a pedido do Globo, em setembro, a falta de integração com outros meios de transporte é apontada por 5,6% dos cariocas como um dos principais motivos para não usar a bicicleta para ir ao trabalho ou percorrer distâncias maiores. Para o diretor da ONG Transporte Ativo, José Lobo, o Rio ainda está em uma fase inicial da integração.

- Em algumas cidades do norte da Europa, quase 50% dos acessos às estações de trem e metrô são feitos por bicicletas - afirmou.

Nos trens, das 98 estações, apenas nove, ou cerca de 9%, dispõem de bicicletários e o transporte de bicicletas nos vagões ainda não é permitido. A concessionária SuperVia afirma que, até o fim do ano, vai liberar o transporte de bicicletas nos trens aos domingos e feriados, além de inaugurar bicicletários em mais três estações.

O bombeiro civil, Marcos Brito, reclama, no entanto, da falta de segurança no bicicletário da estação ferroviária de Inhoaíba, na Zona Oeste. Ele parou de usar o serviço após ter sua bicicleta furtada.

- Minha mulher ainda deixa a bicicleta na estação para pegar o trem, mas a dela é velha. A minha, que é mais nova, não deixo. Prefiro usar o ônibus - diz o morador de Inhoaíba.

A SuperVia informou que todos os bicicletários estão fora das estações e que, como os espaços são públicos, "não exerce a guarda sobre as bicicletas deixadas".

Na rede do Metrô Rio, os bicicletários ficam dentro das estações, na área exclusiva a quem já passou pelas roletas. Das 35 estações, 11 (31%) têm bicicletários.

O diretor de Relações Institucionais do Metrô Rio, Joubert Flores, diz que a companhia planeja instalar áreas para bicicletas em mais 19 estações, aumentando a cobertura para 85% da rede da concessionária. O prazo para a conclusão dos novos bicicletários, no entanto, não foi informado.

- Só não vamos instalar em todas as estações já existentes porque em algumas não há espaço - afirma Flores, lembrando que, aos sábados, domingos e feriados, a companhia permite o transporte gratuito de bicicletas nos últimos vagões das composições.

O balconista Ulisses Paulo Geronima Maia, morador de Vilar dos Teles, usa diariamente o bicicletário da estação Pavuna, do metrô, de onde embarca para trabalhar em Copacabana.

- Uso a bicicleta até nos dias de chuva. Além de fazer exercício, economizo o dinheiro do ônibus que teria de pegar até a estação - afirmou ele, que pedala 30 minutos e fica mais uma hora no metrô até o trabalho.

O caseiro Edmilson Ferreira, morador de Coelho da Rocha, faz o mesmo para ir trabalhar. Ele pedala por 30 minutos até a Estação Pavuna e leva mais duas horas de metrô e ônibus da integração até a Barra.

- Antes mesmo de ter bicicletário, eu já vinha de bicicleta e deixava na rua para economizar.

Nas barcas, os bicicletários estão do lado de fora de quatro das cinco estações (Charitas, Araribóia, Paquetá e Cocotá). A Barcas SA informou que estuda instalar também na Praça XV. O transporte de bicicletas é permitido nas linhas que ligam a Praça XV a Cocotá (grátis), a Araribóia (R$ 4,70, nos dias úteis, e grátis, nos fins de semana) e a Paquetá (R$ 4,70, todos os dias). As dobráveis podem ser levadas de graça em qualquer trajeto."

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Hora da leitura

Ponto de vista - 10 out. 2011

Destaco o artigo de Roberto Zentgraf na coluna Dinheiro em Caixa, intitulado "Felizes coincidências...", publicado na página 24 da edição de hoje d'O GLOBO. O grifo é nosso:

"Preso no engarrafamento das 18h, enquanto voltava para casa, eis que sou brindado com o SMS (tempos modernos!) avisando-me da chegada de Maria Manuela, filha de dois grandes queridos, que já passearam por este espaço como personagens-exemplo para o tema Casais e Finanças. Fiquei contente, e não apenas por ver a evolução natural de uma união que se mostra bem-sucedida, mas também por um motivo bem mais cotidiano: às voltas sobre qual tema abordar, a pequena me lembrou que na próxima quarta-feira, dia 12, é o Dia da Criança, e você, leitor que me acompanha há mais tempo, sabe ser esse um dos meus assuntos favoritos! Feliz coincidência, a primeira!

Tendo nascido na família onde nasceu, é pouco provável que seus pais não invistam pesadamente em sua educação: decerto frequentará excelentes escolas, cursos de idiomas, faculdades e pós-graduações. Maria Luiza, Rodrigo e agora a Valentina, os pequenos do meu lado, também seguirão essa trajetória. Mas o que dizer de milhares de outras crianças que, infelizmente, não terão a mesma sorte financeira ou educacional que estas que citei?

A resposta não é trivial, pois não depende apenas de investimento financeiro público, mas também de toda uma estrutura de estímulos, incentivos, recompensas, valorização do professor e do aluno, somente para ficarmos nas questões mais aparentes. Obviamente, a base para tudo isso é a leitura, que nos torna curiosos, investigativos e capazes de formar nossas próprias verdades! E que, em outra feliz coincidência, tem o seu Dia Nacional também festejado em 12 de outubro (tudo isso sob a proteção de Nossa Senhora Aparecida)!

Mas engana-se quem acha que vou aproveitar a data para me limitar ao clássico "Dê livros de presente". Diante de tantas inovações tecnológicas para ler, sugiro: "Dê leitura de presente"! E é justamente aí que cito a terceira (e última) feliz coincidência do artigo: em fim de semana recente, fui a um evento chamado Hora da Leitura, programa desenvolvido pelo Instituto da Criança e que visa justamente a incentivar a leitura em larga escala nas periferias e comunidades de baixa renda (leia mais no link http://bit.ly/qDKn08).

Um de seus pilares, a Biblioteca do Bairro, tem como objetivo garantir o acesso aos livros (e, por conseguinte, à cultura) pelo público em geral, dando com isso suporte à Sala de Leitura, seu outro pilar. Na sala, grupos de até dez leitores reunidos por faixa etária têm rodas de leitura por um ano, mediados por estagiários contratados na própria comunidade.

No evento a que compareci, ouvi depoimentos entusiasmados de alunos que, por lerem mais, melhoraram seu desempenho escolar. E ouvi também depoimentos emocionados de mediadores, já interessados em, no futuro, seguir carreira acadêmica. Em um país com tantos jovens, foi um alento estar lá.

Para os adeptos do uso eficiente do capital, acho difícil encontrar proposta concorrente aos R$40 mensais necessários para custear três leitores. Claro que nada disso garante que os beneficiários ganhem a corrida de obstáculos até a faculdade. Mas que pelo menos um presente desses irá ajudá-los a não serem eliminados antes da largada, disso não tenho a menor dúvida. E você?

Um grande abraço e até a próxima semana!"

sábado, 24 de setembro de 2011

Bicicletas sem estacionamento

Ponto de vista - 24 set. 2011

Destaco a matéria assinada por Francisco Edson Alves , sob o título "Ciclistas da Zona Oeste ‘pedalam contra a corrente’", publicada na página 4 d'O DIA da quinta-feira 22 de setembro, quando foi celebrado o Dia Mundial sem Carro. A reportagem mostrou bem as dificuldades dos moradores da Zona Oeste, que são os que mais usam bicicleta como meio de transporte. Realidade bem parecida com as encontradas pelos moradores da Baixada Fluminense, onde as prefeituras não têm mostrado a menor sensibilidade para com esse meio de transporte urbano ecológico e popular. O grifo é nosso:

"A prefeitura programou ações para hoje, Dia Mundial Sem Carro, que estimulam a população a trocar automóveis por bicicletas para deslocamentos na cidade. Mas na Zona Oeste, região que tem o maior número de ciclistas do Rio (53%), quem pedala diariamente sofre com falta de estrutura para adotar esse meio de transporte. Até uma feira é montada toda semana sobre a ciclovia de Campo Grande.

A região ainda tem pouca ciclovia (42 Km) e só mil vagas em bicicletários. A 'Blitz do DIA' constatou problemas, principalmente, em Bangu, Realengo e Campo Grande, onde donos de bicicletas dividem espaço com carros em alta velocidade e são obrigados a 'estacionar' seus veículos em passarelas, postes e até pendurá-los em árvore.

O governo municipal prevê novos investimentos na construção de mais 26 km de pistas na Zona Oeste para as ‘magrelas' até meados de 2012 e aposta na parceria com a iniciativa privada para a construção de mais bicicletários, driblando a burocracia. A partir de hoje, resolução no Diário Oficial do Município vai agilizar a liberação de construção de bicicletários por comerciantes.

Enquanto isso, quem depende de bicicletas para chegar ao trabalho ou à escola se arrisca. É o caso do motorista Diogo Francisco Souto, 47 anos, que trocou um Fusca por uma bicicleta há dois anos e meio. Todos os dias, ele percorre 8 km entre sua casa, na Estrada da Água Branca, em Realengo, até a estação de trem do bairro, de onde segue para o trabalho. O trajeto não tem ciclovia.

“Há 3 meses fui atropelado por um táxi. Para fugir do trânsito, mudei o caminho, passando por dentro de uma favela (Vila Vintém), mas acabei tendo a bicicleta roubada. Comprei outra”, lamentou.


Feira em cima de ciclovia

Em Bangu, as quartas-feiras, ciclistas são impedidos de utilizar a ciclovia da Av. Marechal Marciano, por causa de uma feira livre. "Quem reclama é ameaçado", denuncia Y., 31 anos. Em Realengo, ontem, havia mais de 80 bicicletas acorrentadas à passarela do Km 40, na altura da Estrada do Mendanha. Ao lado, até as árvores serviam de 'bicicletário'.

“Não temos outra opção, pois o bicicletário da prefeitura está sempre superlotado”, reclama o padeiro Fernando Soares, 34.

Quem não chega cedo não pega uma das 70 vagas disponíveis. “Depois das 6h, já era”, conta a estudante Priscila Oliveira, 17 anos, que de lá segue de ônibus para estudar em Santa Cruz. Ele (sic) acorda mais cedo para garantir a vaga de sua 'magrela’.

O subprefeito da Zona Oeste, Edimar Teixeira, disse que reordenará a feira da Av. Marechal Marciano: "Vamos liberar a ciclovia"."

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Bicicletas e transporte urbano

Ponto de vista - 22 set. 2011

Destaco uma nota da coluna "Eco Verde", de Agostinho Vieira, sob o título "Vá de bicicleta: custa menos e é mais rápido", publicada na página 32 d'O GLOBO de hoje. O grifo é nosso:

"É razoável supor que andar de bicicleta é mais barato. Não é preciso gastar dinheiro com combustível nem pagar passagem. Mas será uma vantagem tão grande assim? Pesquisa feita por Marcelo Daniel Coelho, do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe, mostrou que andar de carro custa seis vezes mais caro. Já o ônibus consome o triplo dos recursos. E o melhor: indo de bicicleta economiza-se até 40% do tempo.

O estudo, realizado no Rio e em Porto Alegre, demorou dois meses. Nesse período, duas pessoas percorreram, todos os dias, cerca de 7 km para ir ao trabalho e 7 km para voltar até suas casas. Alternando os meios de transporte, entre ônibus, carro e bicicleta. No Rio, para um percurso de mais ou menos 15 km, o tempo gasto foi de 50 minutos indo de bicicleta: uma hora, de carro: e setenta minutos, de ônibus.

No cálculo dos custos foi usada a mesma fórmula aplicada pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). Foram contabilizadas as despesas com a aquisição de acessórios, depreciação, manutenção, impostos e custos sociais, que são gastos públicos com acidentes, por exemplo. O trabalho concluiu que, além de mais rápida, a bicicleta consome cerca de R$0,12 por quilômetro rodado, enquanto o ônibus gasta R$0,32 e o automóvel, R$0,76.

No Dia Mundial Sem Carro, comemorado hoje, que tal levar em consideração esses números antes de ligar o carro ou fazer sinal para o ônibus? A bicicleta é um meio barato, democrático, limpo e muito saudável. Basta pedalar 30 minutos para manter a forma. O Rio tem mais de 150 km de ciclovias que, na maioria das vezes, são usadas apenas como forma de lazer. Falta uma política de integração com trens e metrô. Falta regulamentação e incentivo. Estima-se que, hoje, as bicicletas correspondam a somente 3% do transporte urbano. Temos muito que crescer.
"

* * * * *

Nilópolis (RJ) é um município pequeno (9km² habitados) e por isso mesmo, convenhamos, fácil de administrar; contudo não existe aqui uma política de incentivo à bicicleta como meio de transporte urbano.

Classificada como cidade dormitório, a maioria de seus moradores trabalha na capital do estado; sendo que aqueles que moram nos bairros ainda precisam tomar um ônibus municipal para chegar ao Centro, e só então embarcar na condução que a levará ao trabalho. Acontece que, como constatamos na matéria acima, o quilômetro rodado de ônibus custa R$ 0,32 - segundo estudo da Coppe-UFRJ; mas num ônibus da linha "Soares Neiva", por exemplo, o passageiro desembolsa R$ 2,20 (o preço da tarifa municipal) para viajar no máximo 3,8km até a estação de trem - e menos ainda até ao terminal rodoviário; o que, proporcionalmente, deveria custar R$ 1,20.

Se não corrige essa injusta tarifa, a Prefeitura - com sua Secretaria de Meio Ambiente - daria um passo sério e importante em sua administração se incentivasse o uso da bicicleta, construindo bicicletários próximos aos ditos terminal rodoviário e estação ferroviária e os administrando devidamente. Não é uma obra cara, nem demorada; e, imagino, não precisa sequer esperar verba federal para isso.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Tecnologias e sobrecarga de estímulos

Ponto de vista - 19 set. 2011

Destaco parte do artigo de Carlos Alberto Teixeira e André Machado, intitulado "Ah, o tédio", publicado na página 19 da edição de hoje d'O GLOBO. O grifo é nosso:

"(...)
— No mundo, há cerca de 5 bilhões de celulares e smartphones em circulação, um bilhão de PCs, mais de um bilhão de internautas e 2,5 bilhões de TVs — acrescenta Genevieve [
Genevieve Bell, antropóloga da Intel, que é a diretora de Interação e Experiência]. — É um monte de coisas que nos afastam da monotonia. No final das contas, acabamos sendo induzidos e seduzidos a trocar o salutar tédio por uma sobrecarga de estímulos. E chegamos ao ponto em que as demandas desses nossos dispositivos excedem nossa capacidade de atendê-las.

Segundo a antropóloga, pesquisas nos EUA, Europa e Oceania apontam que a primeira coisa que as pessoas fazem ao acordar é esticar o braço e pegar o dispositivo mais próximo, seja um celular, um iPod ou um tablet, para ler mensagens, ouvir música e checar o Twitter ou o Facebook.

— Precisamos encontrar tempo livre em que não estejamos logados nem conectados. Deixar os celulares e Blackberries fora do quarto de dormir, pegar no sono sem a TV ligada. — aconselha. —Algumas pessoas, para vencer a compulsão de ir dezenas ou centenas de vezes por dia consultar e alimentar as redes sociais, decidiram "se matar" no Twitter e no Facebook, simplesmente deletando suas contas, de modo a voltar a ter tempo realmente livre para si.

A compulsão não é por acaso. O próprio Facebook declara em sua página de estatísticas que contém mais de "900 milhões de objetos com que as pessoas podem interagir (páginas, grupos, eventos e comunidades)" e 30 bilhões de diferentes conteúdos compartilhados a cada mês.

— Toda essa renovação de conteúdos, aplicativos e tecnologias cria um forte efeito de dispersão nos jovens (a chamada geração Y, já conectada) — afirma Esteban Clua, da UFF. — Os estudantes têm dificuldade de chegar ao final de um texto mais longo, acostumados que estão aos 140 caracteres de um tweet. Eles não conseguem se aprofundar num tema, e com isso acabam não desenvolvendo o senso crítico — alerta.
(...)"

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Facebook: "A febre começa a ficar para trás".

Ponto de vista - 09 set. 2011

Destaco o artigo de Guilherme Horn (diretor-executivo da Órama, plataforma da internet distribuidora de fundos), colunista convidado d'O GLOBO, intitulado "O Facebook está morrendo", publicado na página 26 da edição de hoje. O grifo é nosso:

"A base do Facebook ganha dez milhões de novos usuários a cada mês. Eles se somam aos 700 milhões já existentes. Ainda assim o Facebook está morrendo. Ele já contabilizou um número mensal de mais de 20 milhões de novos usuários e hoje cresce apenas nos países em que tem presença menor. Naqueles em que se fez muito forte, como nos EUA, ele decresce.

O Facebook deu certo por acaso. Zuckerberg estava no lugar certo, na hora certa, com o produto certo. Isto fez do Facebook um sucesso. O produto, não seu modelo de negócio, insustentável no longo prazo. O Facebook tem sua receita baseada num modelo ultrapassado, mesmo diante de uma base de clientes como nenhuma empresa jamais possuiu. Ao invés de criar um modelo de negócio inovador, o Facebook priorizou o aumento da base. Acreditou ser este o fator principal de geração de valor para a empresa.

Foi o grande erro estratégico de Zuckerberg. As empresas, para sobreviver, precisam se reinventar. O que torna Apple, Google ou Amazon as mais admiradas não são apenas seus produtos, mas seus modelos de negócio. O sucesso do iPod não se deveu somente ao design ou a suas funcionalidades, mas ao mecanismo de compra de músicas pelo iTunes, quando ninguém pensava que se pagaria por mp3 na web. O mesmo ocorreu com o iPhone, que introduziu o conceito das App Stores e passou a gerar receita para milhares de desenvolvedores.

No mercado financeiro, diz-se que uma notícia leva no máximo quatro segundos para ser precificada. Os tempos diminuíram em todas as áreas. O passado hoje está logo ali. Foi-se o tempo (quase dois anos) em que as empresas resolveram investir no Facebook - Fan Pages completas, verdadeiros portais com vídeos, aplicativos e muita interação, e departamentos com centenas de pessoas para alimentar conversas sobre seus produtos. A febre começa a ficar para trás. Assim como o Second Life, que nasceu, cresceu e morreu em poucos anos, fazendo milhões de dólares, investidos em propriedades virtuais, serem reduzidos a pó.

O Google+ está chegando. Ele vai destruir o Facebook. O Google sim, construiu um modelo vencedor, disruptivo com fórmula complexa e eficiente, que é o Adwords/Adsense. Um modelo que beira a perfeição. E uma empresa que é capaz de criar um sistema como este atinge um grau de competitividade, que a torna imbatível diante de players como o Facebook.

De todo modo, o maior responsável pela morte do Facebook não será o Google. Seu algoz é o próprio Facebook, por causa de um modelo frágil, sujeito a questionamentos sobre privacidade e de usabilidade tosca. O Google vai apenas acelerar o processo.
"

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Bicicletas gerando emprego

Ponto de vista - 08 set. 2011

Destaco uma nota da coluna "Eco Verde", de Agostinho Vieira, sob o título "Bicicletas lucrativas", publicada na página 22 d'O GLOBO de hoje. O exemplo vem de Londres. O grifo é nosso:

"Estudo recente feito pela London School of Economics (LSE) acaba de revelar o impacto que o crescimento no número de ciclistas em Londres trouxe para a economia da cidade. A pesquisa considerou as vendas de bicicletas e equipamentos, a criação de empregos, a redução nos engarrafamentos e o decréscimo da poluição atmosférica. Com isso, a LSE chegou à conclusão de que o setor movimenta 3,3 milhões, o que significa cerca de 265, ou R$615, por ciclista. Só no último ano, as vendas de bicicletas aumentaram 28%. Já o número de usuários cresceu 10%, hoje são 13 milhões."

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Bom exemplo na faixa

Ponto de vista - 5 set. 2011

Destaco a carta de um leitor, publicada sob o título "Multar pedestres" na página 8 d'O GLOBO de hoje. O grifo é nosso:

"Certa vez, vi, num país dito civilizado, uma senhora na beira da calçada, parada em frente à faixa de pedestres com sinal proibindo atravessar. Não havia carro à vista! Curioso, perguntei: por que a senhora não atravessa a rua? Ela respondeu: “Tenho medo que alguma criança me veja e eu possa educá-la mal, dar-lhe um mau exemplo.” Na cidade do Rio de Janeiro, uma parte das mães deve responsabilizar-se pela má educação das crianças. Cansei de ver mães atravessando ruas fora da faixa, em sinais vermelhos, puxando crianças pelas mãos. Elas não percebem que estas crianças serão os motoristas, os ciclistas, enfim, os cidadãos adultos do futuro. Creio que seria perfeitamente aceitável multar os pedestres. É injusto aplicar multas aos motoristas infratores sem aplicá-las também aos pedestres".
Mario Negrão Borgonovi (Rio)
Cartas do leitores. O GLOBO, Rio de Janeiro, 05 set. 2011. p .8, grifo nosso.

sábado, 3 de setembro de 2011

E os helicópteros de Cabral?

Ponto de vista - 3 set. 2011

Destaco a carta de um leitor, publicada sob o título "Helicópteros de Cabral também são sucateados?" na página 50 d'O DIA de hoje. O grifo é nosso:

"Depois de quase uma semana em silêncio com relação à tragédia de Santa Teresa, Sérgio Cabral reúne a imprensa para confessar que os bondinhos estão, sim, sucateados. Ou seja, o governo do estado autoriza a circulação do transporte ciente de que moradores e turistas se expõem a risco de acidentes graves. Será que os helicópteros utilizados por Sua Excelência diariamente também sobrevoam sem manutenção adequada? É melhor ele checar.
Antonio Mendonça Bezerra (Por e-mail)".

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Corrupção absolvida

Ponto de vista - 31 ago. 2011

Destaco os primeiros parágrafos da coluna de Merval Pereira, sob o título "Falta de respeito", publicado na página 4 d'O GLOBO de hoje. O grifo é nosso:

"Quando o Supremo Tribunal Federal decidiu, com o voto decisivo do recém-nomeado ministro Luiz Fux, que a Lei da Ficha Limpa só valeria para a eleição de 2012, não podendo ser aplicada na de 2010, a senadora Marinor Brito, do PSOL, considerada eleita porque dois candidatos — Jader Barbalho e Paulo Rocha — foram enquadrados na nova lei, perguntou, indignada, temendo perder o mandato: "A Constituição diz que pode ser corrupto em 2010 e não pode em 2012?"

A mesma pergunta pode ser feita hoje, diante da decisão da Câmara de não cassar a deputada Jaqueline Roriz, flagrada em fita de vídeo recebendo dinheiro em 2006 do esquema do ex-governador José Roberto Arruda em Brasília.

O que os senhores deputados decidiram, em última instância, é que um político pode ter matado ou roubado antes de ser eleito que estará protegido pelo seu mandato se tiver conseguido esconder o crime até ter sido eleito.

Foi uma decisão de uma Câmara que não respeita o eleitor. E não se respeita. (...)
".

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ação e discurso

Ponto de vista - 30 ago. 2011

Destaco apenas o último parágrafo da coluna de Luiz Garcia, sob o título "Algemas x abraços", publicado na página 7 d'O GLOBO de hoje. Diz tudo.

"Dilma está certa quando recusa o abraço na corrupção. Mas os governos mais corruptos têm o mesmo discurso. Ela mostrará que é bem diferente deles quando começar a algemá-los em vez de abraçá-los."

domingo, 28 de agosto de 2011

Por uma política com ética


Ponto de vista - 28 ago. 2011

O destaque de hoje é do artigo dominical de Frei Betto, intitulado "Corrupção na política", publicado na página 22 d'O DIA de hoje. O grifo é nosso.


"A política brasileira sempre se alimentou do dinheiro da corrupção. Isso não envolve todos os políticos: muitos são íntegros. Porém, as campanhas são caras, o candidato não dispõe de recursos ou evita reduzir sua poupança, e os interesses privados no investimento público são vorazes.

Arma-se, assim, a maracutaia. O candidato promete, por baixo dos panos, facilitar negócios privados junto à administração pública. Como por encanto, aparecem os recursos de campanha. Eleito, aprova concorrências sem licitações, nomeia indicados pela iniciativa privada, dá sinal verde a projetos superfaturados e embolsa o seu quinhão, ou melhor, o milhão.

Conhecemos a qualidade dos serviços públicos. Basta recorrer ao SUS ou confiar os filhos à escola pública. E ver ruas e estradas esburacadas. A impressão que se tem é que o dinheiro público não é de ninguém. É de quem meter a mão primeiro. E são raros os governantes que, como a presidenta Dilma, vão atrás dos ladrões.

Acredito na ética da política. Ou seja, criar instituições e mecanismos que inibam quem se sente tentado a corromper ou ser corrompido. As instituições devem ser fortes, as investigações, rigorosas, e as punições, severas. A impunidade faz o bandido. E, no caso de políticos, ela se soma à imunidade.

As escolas deveriam levar casos de corrupção às salas de aula. Incutir nos alunos vergonha de fazer uso privado dos bens coletivos. Já que o conceito de pecado deixou de pautar a moral social, urge cultivar a ética como normatizadora do comportamento. Desenvolver em crianças e jovens a autoestima de ser honesto e de preservar o patrimônio público".

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

De confiança e confiáveis


Ponto de vista - 24 ago. 2011

O destaque de hoje é uma reportagem do jornalista Marcos Galvão, intitulada "Campanha pede adoção da Lei da Ficha Limpa em Mesquita", publicado na página 2 d'O DIA do último Domingo (21 de agosto de 2011).

Movimentos da sociedade civil estão se mobilizando na coleta de assinaturas para a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular que visa estender, no município, a Lei da Ficha Limpa também para cargos nomeados - os chamados cargos de confiança; afinal estes últimos também lidam com a coisa pública e precisam ser pessoas confiáveis. A proposta, conta o artigo, é impedir a nomeação para os cargos públicos daqueles que já foram condenados pela justiça.

Tomara que ideia pegue e sirva de base para a mobilização em outros municípios, a começar pelos vizinhos. O grifo é nosso:



"Moradores de Mesquita iniciaram a luta pela moralização na administração pública. Um abaixo-assinado começou a ser coletado na cidade com o objetivo de implantar a Lei da Ficha Limpa Municipal. Se o projeto for aprovado pela Câmara e sancionado pelo prefeito Artur Messias, Mesquita será a primeira cidade do estado a dispor da lei.

A iniciativa é uma proposta de entenda A Lei Orgânica do município e estabelece critérios para a nomeação de secretários, diretores e cargos comissionados para a administração direta, tanto da Prefeitura quanto da Câmara de Vereadores. O projeto inclui a administração indireta, as autarquias, empresas públicas de economia mista e fundações públicas de Mesquita.

De acordo com a Constituição Federal, são necessárias as assinaturas de 5% do eleitorado do município. "São necessárias 6.500 assinaturas", explica Ewerson Cláudio, do PSOL, um dos organizadores do movimento.

Também apoiam a iniciativa o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), o Movimento Fé e Política, ligado à Igreja Católica, o Sindsprev (Sindicato dos Previdenciários) e a Ong Com Causa. “A meta é atingir-mos as assinaturas necessárias até setembro, quando pretendemos apresentá-lo à Câmara, numa grande festa popular”, diz Ewerson.

Numa amostragem inicial, foram coletadas 500 assinaturas, em apenas dois fins de semana. "A receptividade da população tem sido muito boa. Vamos agora levar a campanha às praças, escolas, igrejas e associações de bairro", explica Edmílson Ribeiro, diretor do Sepe de Mesquita.

O prefeito de Mesquita, Artur Messias (PT), gostou da iniciativa e disse que pretende sancionar a lei, se o projeto for aprovado pela Câmara. “O mais importante é que será uma lei de iniciativa popular, algo inédito no município”; diz Artur Messias.

Presidente da Câmara Municipal, André Taffarel (PT), também disse que é favorável à iniciativa. Ele acrescenta que já tramita na Câmara projeto de lei de sua autoria. “Assim que receber o projeto, vou encaminhá-lo à Procuradoria da Câmara”: disse
".

terça-feira, 23 de agosto de 2011

O mês sagrado

Ponto de vista - 23 ago. 2011

O destaque do blog hoje é o artigo de Cristina Ruiz Kellersmann, intitulado "Ramadã ", na coluna "Pelo Mundo", publicado na página 2 do "Segundo Caderno" d'O GLOBO. Trechos, na verdade.

A jornalista, que escreve sobre a vida cultural de Berlim - a capital alemã - nos dá uma aula sobre o mês sagrado dos muçulmanos e seu cotidiano. O grifo é nosso:



"[...], a religião islâmica se destaca com uma fatia de quase 10% da população local [de Berlim]. A presença muçulmana se torna mais visível na cidade no período do Ramadã. Em bairros com alta densidade de muçulmanos (Kreuzberg Wedding e Neukölln), as padarias anunciam o ramazan pidesi (o pão do Ramadã). Os supermercados turcos têm promoções especiais e distribuem calendários festivos com os horários do nascer e do pôr-do-sol. Tarde da noite, ainda se veem as numerosas famílias circulando, o que não é comum em outras épocas, indo e voltando da casa de parentes.
[...]
Estamos na última semana do Ramadã, a festa mais importante do Islã. Comemorada no nono mês do calendário islâmico, ela tem como referência o calendário lunar e por isso acontece em data diferente a cada ano.

O jejum é o componente mais importante do Ramadã. Os muçulmanos não podem ter sexo, fumar, comer ou beber nada, nem água, enquanto houver luz do sol. Acredita-se que através do exercício do autocontrole, possa se desenvolver a gratidão, o aprendizado de valorizar mais aquilo que se possui, a compaixão pelos pobres e ainda o fortalecimento de um vínculo com Deus (Alá). É um momento de reflexão e uma época para aplicar os ensinamentos do Alcorão.

O ritual começa cedo, antes do dia clarear. As mães de família têm um dia a dia bastante movimentado no Ramadã. Com as noites mais curtas nesta época do ano, elas mal têm tempo para dormir, pois é na madrugada que se prepara a primeira refeição do dia, sohour. Depois do nascer do sol, quando todos saem de casa, é a hora do silêncio, um momento de descanso, antes de começar os preparativos do atar, a próxima refeição. A temporada do Ramadã se encerra com uma celebração de três dias. É o equivalente ao Natal dos cristãos. As crianças ganham brinquedos, roupas e guloseimas.
[...]
Há também muçulmanos que só celebram o Ramadã quando estão em seu país. É o caso de Sedai Sardan, que mudou-se para a Alemanha em 1974, aos 14 anos, e hoje é dono do clube de jazz A-Trane. "Em Berlim, não há tradição, o Ramadã diluiu-se, perdeu o sentido. Celebrar é estar com amigos e familiares, ajudar um ao outro e aqueles que necessitam. É preciso recuperar a beleza do Ramadã, e não praticá-lo como obrigação. Na minha infância, o jeito de celebrar era bem diferente. Não havia Internet e nem celular. O Ramadã era a razão para estarmos juntos", contou Sedai relembrando os tempos de garoto.

Em Berlim há muitos restaurantes e lanchonetes de comida turca. Estes estabelecimentos não fecham por causa do Ramadã. Os funcionários estão acostumados a estarem ali, cozinhando, servindo e sentindo o cheiro da comida sem poder comer. Ninguém para de trabalhar ou deixa de ir à escola. Mas não há dúvida de que se trata de um período especial. Todo dia é dia de uma refeição farta e coletiva depois que o sol se esconde. E mesmo sem ser devoto e ter jejuado o dia inteiro, é possível participar de uma quebra de jejum.

O mês do Ramadã é uma época de encontros e abertura de diálogos. A agenda cultural da cidade oferece concertos, filmes e discussões em torno da cultura muçulmana. Na política, acontecem eventos reunindo representantes da comunidade e chefes políticos. As noites do Ramadã são definitivamente motivo para celebrar. Começam com a quebra do jejum e sempre terminam em festa!
".

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Pagando para não usar


Ponto de vista - 22 ago. 2011

Destaco da leitura diária do jornal, a matéria assinada por Carlos Alberto Teixeira, intitulada "Para que serve isso mesmo?", na página 19 d'O GLOBO. O jornalista relata - citando vários exemplos de consumismo - que a grande maioria dos usuários é seduzida pelas novidades tecnólogicas com suas mil e uma utilidades (e pelas campanhas publicitárias); mas que, no final, acaba pagando por aquilo que na verdade não consome - porque não consegue aprender ou, na verdade, não encontra necessidade. O grifo é nosso:


"A esmagadora maioria dos aparelhos informáticos e eletrônicos é vergonhosamente subutilizada e os exemplos estão por toda parte. Basta procurar no seu círculo mais próximo de amigos quanta gente possui celulares e smartphones às vezes de último tipo, caros e cheios de funcionalidades, mas que usa o aparelho para falar e, no máximo, enviar mensagens de texto.

Rosane Garcia, 37 anos, morando na Suécia e trabalhando como pesquisadora em economia imobiliária no Instituto Real de Tecnologia, é um desses exemplos.

— Comprei meu iPhone 3G5 em abril de 2010 e tenho um plano de assinatura por 24 meses. Por isso, mesmo se eu quisesse me livrar dele, teria que continuar pagando até o restante do plano. Com toda certeza, meu próximo aparelho será algo bem básico, pois sei que não utilizo todas as funções existentes neste celular — conta ela. — A única função futura que vejo para meu iPhone é utiliza-lo mesmo como "air mouse" para controlar o meu servidor de mídia, montado em um Mac Mini.

Quem alimenta o fenômeno é a própria indústria, que, com maciças campanhas publicitárias nas várias mídias, induz o consumidor a comprar coisas de que ele, na verdade, não precisa — badulaques cheios de perfumarias e funções adicionais, muitas vezes supérfluas, de que ele jamais chegará nem perto.

As grandes empresas de tecnologia, mobilidade e telecomunicações estão aos poucos se tornando donas de nossas emoções e, consequentemente, de nossos desejos — diz Evaristo Santiago, aposentado pelo INT (Instituto Nacional de Tecnologia) e ex-gerente de TI da Comissão Nacional de Energia Nuclear. — Basta ver o caso da Apple. Assim que ela lança um iPhone novo, quase todos os donos do modelo antigo já ficam com sede de consumo, mesmo não tendo aprendido a usar nem metade dos recursos do aparelho anterior.


Serviços também subutilizados

O setor de serviços também tem representantes da casta dos chamados "underusers". Clientes de TV por assinatura, se não forem os campeões na categoria, são fortes candidatos.

— Meu genro instalou anos atrás para mim uma TV a cabo com centenas de canais com filmes e documentários. Tem até televisão do Japão e da Alemanha, e uma penca de outros canais só de canções e música de todo tipo — desabafa Célia Vieira da Cruz, 89 anos. — Achei fofa a atitude dele, mas nem novela eu acompanho. Sou muito religiosa e assisto um único canal: o Rede Vida.

É comum também encontrar usuários que pilotam computadores de último tipo — desktops ou notebooks — equipadíssimos com os melhores e mais caros periféricos, e com conectividade em banda larga de dezenas de megabits por segundo, mas que usam a potência da máquina para tarefas simples.

Marlene Nelson da Silva, dona de casa de 72 anos, é outra "underuser" doméstica típica na categoria de produtos de informática.

— Tenho em casa um computador desses de mesa cheio de aparelhos pendurados nele. Tem um monitor de alta resolução. CPU com processador veloz, memória aos borbotões, roteador sem fio e um disco rígido gigantesco. Mas só uso o aparelho para digitar textos esporadicamente e ler e enviar e-mails. Pen drive? Já ganhei um. Mas fica parado na gaveta — confessa.


Excessos até na cozinha

A síndrome da subutilização não se restringe ao escritório e à sala de estar, local que muitas vezes abriga um home theater estalando de novo, cheio de capacidades avançadas, mas que o dono só usa para as funções básicas de tocar CD e ouvir rádio FM. O mal se alastra para as outras dependências do lar, como a cozinha, onde não é raro ver um forno de micro-ondas com mil funcionalidades, mas usado apenas para esquentar leite e fazer pipoca. Ou um daqueles multiprocessadores, capazes de fazer até suco de pedra, mas que só se usa para picar cebola.

Ter algumas economias paradas é um ponto que ajuda a cometer exageros na compra de itens tecnológicos. A socióloga Fátima Costa, 43 anos, enveredou pelas bandas da fotografia, exagerando um tanto na sofisticação de suas compras.

— Além de iPad e iPhone, comprei um ótimo equipamento fotográfico de uns R$30 mil, e o pus até no seguro. Participo de um grupo de fotografia, o Photoconversa, que funciona na empresa onde trabalho. — conta Fátima. — Mas tenho plena consciência de que uso pouquíssimos recursos de minha câmera Canon 5D Mark II, com objetiva 24-105mmL.

Luiz Ricardo Poell, médico do trabalho, é outro que tem vários relatos de subutilização de dispositivos.

— Sou o perfeito mau usuário de vários apetrechos eletroeletrõnicos: celular, micro-ondas, TV de LED novinha e o super-rádio do meu carro — diz Poell. — Mas o campeão é o meu relógio Citizen que tenho desde 1997 e que nunca enguiçou. O bichão oferece dezenas de funções que até hoje não consegui acessar, mas também nunca precisei de nenhuma delas. Sempre que preciso mexer no horário de verão, apelo para um experiente relojoeiro que insiste em tentar me ensinar a manejar aquela "botãozada" toda, só para atrasar ou adiantar os ponteiros em uma hora. Ele deve me achar um quadrúpede de relógio".


* * * * *

Você é um desses? Que exemplos, seu ou de pessoa próxima, você pode nos contar?

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Agentes de leitura

Ponto de vista - 19 ago. 2011

Destaco da leitura diária do jornal, a reportagem da coluna Por dentro do Globo, intitulada "Batalhão pela leitura", na página 2 d'O GLOBO. A mesma relata sobre um projeto do governo federal que, para ser excelente, precisa sair do papel de verdade. O grifo é nosso:

"Inspirado nos agentes de saúde da família, o Ministério da Cultura pretende lançar um batalhão de mais de 3 mil "agentes de leitura" pelo país. O programa, também intitulado Agentes de Leitura, começou a ser implementado em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, e o trabalho dos jovens agentes é percorrer os bairros pobres da periferia, com muitos livros a tiracolo, apresentando o prazer da leitura para crianças e adultos dentro de suas próprias casas.

Durante três dias, os repórteres Gilberto Scofield Jr e Márcia Abos e os fotógrafos Michel Filho e Eliária Andrade acompanharam de perto o trabalho destes jovens, observando as atividades de formação, suas visitas às casas de famílias e a atuação em cursos de alfabetização de adultos. A reportagem ganhou a capa do Prosa & Verso deste sábado.

— Nunca tinha visto algo assim. Numa das atividades de formação, o escritor Ilan Brenman mostrou aos jovens agentes como você pode despertar o interesse de uma pessoa pelo livro. A coisa mais legal que ele disse é que a classe social de seus ouvintes não determina a escolha dos livros. Não há discriminação, ou seja, não se conta uma história mais "fácil" porque o ouvinte é da periferia — diz Márcia, confessando que jamais esquecerá a alegria dos agentes que ganharam livros num sorteio. — Era como se tivessem ganhado na loteria.

A reportagem conta as histórias de superação dos agentes— que normalmente trabalham em suas próprias comunidades e enfrentam problemas comuns a elas (num dos locais, a equipe do GLOBO foi abordada por um "olheiro" do tráfico de drogas que queria saber o que estavam fazendo lá) — e das pessoas que tiveram a vida modificada pelo simples ato de ler um livro. Um prazer que ainda está distante de ser uma realidade acessível para todos os brasileiros.

— A proposta é interessante e inspiradora. Mas para que dê certo é preciso que ela tenha continuidade e que estes novos leitores tenham acesso a livros — observa Scofield".

* * * * *

Eu disse, na apresentação, que o projeto precisa sair do papel de verdade porque em junho de 2010 foi lançado um edital de seleção para tais agentes de leitura em Nilópolis (RJ). Concluída as etapas da seleção, os aprovados não foram convocados. Agora a Prefeitura acaba de lançar um novo edital (19 ago. 2011) para uma nova seleção porque, tendo feito contatos (meses depois), verificou que quatro candidatos aprovados teriam desistido; e também porque precisaria de mais doze para formar um banco de espera.

A demora na realização do projeto, explica o edital, teria sido pelo atraso na liberação do recurso pelo Ministério da Cultura.
Com a nova seleção, ainda segundo o edital, o início das atividades de formação dos Agentes de Leitura está marcado para 09 de janeiro de 2012. Isso mesmo: 2012! Por causa de quatro agentes que estão faltando, os outros vinte que já estão aptos (do edital de 2010) terão que esperar 2012 para começar! Mas se forem vencidos pelo cansaço, já haverá doze no banco de espera para os substituir...

É verdade, então, que o projeto do Ministério da Cultura em parcerias com estados e municípios está atrasado nacionalmente.

O que você acha: Cultura pode esperar?
Até quando?