Ponto de vista - 13 ago. 2011
Os EUA e o princípio da dívida
Destaco os parágrafos finais artigo "Crises em penca", na página 2 do Segundo Caderno d'O GLOBO de hoje, do colunista José Miguel Wisnik; apesar de recomendar todo o texto. O autor cita vários exemplos de acontecimentos dos últimos anos... parece que o mundo está ficando de ponta à cabeça. O grifo é nosso:
“(...) o império norte-americano topa com o índice do limite, que não lhe é habitual (uma mentalidade autocentrada e conservadora, profundamente arraigada, compacta e difusa, que não aceita limites para si, vai se deparando perigosamente com eles). Enquanto se disputa uma encarniçada batalha política pela ampliação do teto da dívida americana, que atinge o céu, o índice de confiabilidade da economia americana para honrar sua dívida é rebaixado por uma agência particular de orientação de investidores, remexendo numa cadeia de credibilidades que repercute nas outras grandes economias ocidentais e, portanto, em todas as outras.
Subterraneamente, as bases da civilização, tal como conhecemos, vão se encontrando com aquilo que a constitui e a atravessa: o princípio da dívida. Aumentar a dívida e ver diminuída a capacidade de pagar a dívida, no capítulo desta semana. A lógica do sistema, ao que tudo indica, é a de que a dívida não é para ser quitada nunca, e que seu aumento, em vez disso, dinamiza o sistema. Ao mesmo tempo, o sistema precisa secretar sinais, que não deixam de ser paradoxais, de limites virtuais na capacidade de pagar a dívida. Em suma, de um jeito ou de outro, vamos nos aproximando de limites de fundo, ao mesmo tempo em que eles se perdem, como nas violentas eclosões urbanas.
Obama declarou que os Estados Unidos precisam criar para si as condições de poder competir com China, Índia e Brasil. Duas civilizações milenares e uma completamente nova. Serão capazes de novos modelos? Agostinho da Silva passou por lunático ao dizer que sim, no começo dos anos 1960.
Eu já aprendi que essa novela não acaba tão cedo, e prefiro assim”.
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A herança maldita da Guerra Fria
O artigo "O muro que veio até nós", do colunista Zuenir Ventura, na página 7, também é uma ótima reflexão sobre a história contemporânea. Motivado pelo aniversário da construção do emblemático Muro de Berlim, o escritor faz um breve panorama sobre a Guerra Fria e a sua influência no Brasil. O grifo é nosso:
“O Muro de Berlim, que começou a ser construído há exatos 50 anos, tinha 155 km de comprimento, mas chegou até nós como importante marco da Guerra Fria. Também chamado Muro da Vergonha, porque com ele o governo comunista de Berlim oriental pretendia conter a fuga para o outro lado da cidade, separou literalmente amigos, famílias e uma nação, e dividiu simbolicamente o mundo, tornando-o bipolar e alvo da disputa das duas superpotências da época, os EUA e a URSS. Esses dois rivais procuraram estender seu poder e influência a todos os continentes. Os americanos intervieram no Vietnam, e os soviéticos no Afeganistão, e se envolveram direta ou indiretamente, segundo seus interesses, no Oriente Médio, na África, Ásia e na América do Sul. Em geral, pregavam uma coisa e faziam outra. Os EUA defendiam a democracia, a liberdade, mas apoiavam os regimes militares da Argentina, do Chile e do Brasil. A URSS lutava pelo socialismo, pela igualdade econômica, mas era governada por um tirânico partido único, que reservava para si os privilégios que negava ao povo.
No Brasil, os efeitos da Guerra Fria se fizeram sentir mais claramente por ocasião do golpe de 64, apoiado por ações da CIA e do então embaixador Lincoln Gordon, que alimentava o Departamento de Estado de seu país com informações confidenciais e sugestões. Muitos desses telegramas foram revelados depois, como o que quatro dias antes da tomada do poder pelos militares solicitava o envio de uma força naval “para intimidar os partidários de Goulart”. Em outra mensagem, ele sugeria que medidas fossem tomadas “o mais cedo possível para preparar uma entrega clandestina de armas não fabricadas nos EUA a serem entregues aos apoiadores de Castelo Branco em São Paulo”.
Para encobrir o envolvimento do seu país, o embaixador americano propunha que as armas fossem conduzidas por um "submarino sem marcas e descarregadas à noite em praias isoladas ao sul de Santos, no estado de São Paulo". Paralelamente à ajuda militar, Gordon não se descuidava do apoio da propaganda, recomendando que a CIA tomasse medidas para "encorajar o sentimento anticomunista no Congresso, nas Forças Armadas e em entidades estudantis, religiosas e profissionais".
O Muro de Berlim foi derrubado em 1989, mas a cultura da Guerra Fria deixou uma herança maldita cujos resíduos ainda se fazem notar no mundo atual, inclusive no Brasil: sectarismo, maniqueísmo, intolerância, a ideia de que as pessoas podem ser hierarquizadas ideologicamente, em suma, a crença de que o mal está sempre do lado oposto, e que o bem e a razão são exclusividade nossa”.
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